Todo mundo parece feliz menos você: a ciência prova que isso é normal
A psicologia e a ciência comportamental explicam por que não há motivo para se culpar por não estar sempre de bom humor
Diante das constantes demandas da sociedade para alcançar a felicidade, a realização espiritual e o bem-estar, não é de surpreender que um trabalhador comum se sinta culpado e extremamente infeliz se não conseguir alcançar e manter a positividade, mesmo quando está lidando com situações realmente difíceis.
Muitas empresas (pelo menos 4.000, de acordo com dados do LinkedIn) nomearam diretores de felicidade ou de bem-estar, formalmente encarregados de melhorar a motivação, o bem-estar e a felicidade de sua força de trabalho.
Como Oliver Burkeman observou em seu brilhante livro The Antidote: Happiness for People Who Can’t Stand Positive Thinking (O Antídoto: Felicidade para Quem Não Suporta Pensamento Positivo, na edição brasileira): “O esforço para nos sentirmos felizes muitas vezes é exatamente o que nos torna infelizes. E são nossos esforços constantes para eliminar a negatividade - insegurança, incerteza, fracasso ou tristeza - que nos fazem sentir tão inseguros, ansiosos, incertos ou infelizes.”
Nesse sentido, a busca pela felicidade parece estar em conformidade com a chamada lei do retrocesso de Alan Watts, que explicou: “Quando você tenta ficar na superfície da água, você afunda; mas quando você tenta afundar, você flutua”, e que 'a insegurança é o resultado das tentativas de se manter seguro'.
Não há motivo para se culpar por não estar de bom humor ou por não alcançar níveis mais altos de alegria ou felicidade em seu trabalho. Os motivos são bem conhecidos dos psicólogos organizacionais e cientistas comportamentais.
PERSONALIDADE
Seu nível típico e ideal de felicidade ou satisfação é amplamente determinado por sua personalidade. Assim como uma pessoa tem altura diferente da outra, as pessoas diferem em sua tendência geral de sentir emoções positivas e negativas. Essas diferenças estão enraizadas em sua personalidade, caráter e temperamento e se baseiam, em grande parte, na genética e nas primeiras experiências de vida.
Assim como as pessoas têm alturas diferentes, as pessoas diferem em sua tendência de sentir emoções positivas e negativas
Portanto, assim como seria uma bobagem - para não dizer discriminação - forçar pessoas baixas a se tornarem mais altas, não devemos forçar as pessoas que são naturalmente predispostas a sentir emoções negativas a simplesmente se animarem, se sentirem bem, pararem de se preocupar e serem felizes.
O objetivo deve ser aceitar as pessoas como elas são e criar uma cultura inclusiva em que as pessoas que são naturalmente mal-humoradas tenham um senso de pertencimento tão forte quanto as que são naturalmente felizes.
Aproveitar essa rica diversidade psicológica para criar equipes equilibradas que possam ver, pensar e sentir as situações de maneiras diferentes e nas quais os indivíduos tenham maior probabilidade de oferecer uma perspectiva diferente é muito melhor do que tentar criar uma equipe homogênea.
DESEMPENHO
O que interessa ao seu chefe e empregador não é a sua felicidade, mas sim o seu desempenho. Se fosse esse o caso, você certamente receberia um bônus, uma promoção ou um aumento de salário depois de muitos anos de felicidade no trabalho - algo que seria devidamente observado em sua avaliação anual de desempenho.
A avaliação seria assim: “Sei que não alcancei nenhum dos resultados esperados, mas estava sempre de bom humor e muito feliz por fazer parte da equipe.”
Não há tantas evidências de que um funcionário feliz seja um bom funcionário, como tendemos a pensar.
Dessa forma, os funcionários seriam incentivados a fingir positividade apenas para impressionar seus gerentes. Felizmente, os funcionários não têm a ilusão de que seu empregador realmente se importa com seu humor e felicidade, exceto pela suposição de que esses sentimentos positivos elevam seu desempenho.
Em outras palavras, um humor positivo, um estado de bem-estar de forte envolvimento e felicidade são vistos como meios para melhorar o desempenho, a produtividade e os resultados. Dito isso, não há tantas evidências de que um funcionário feliz seja um bom funcionário, como tendemos a pensar.
BENEFÍCIOS CORPORATIVOS
Um certo nível de insatisfação é essencial para se motivar a aumentar seu desempenho e seus resultados. Os funcionários e líderes mais preciosos de uma organização geralmente são aqueles que estão insatisfeitos com o status quo, a ponto de ficarem mal-humorados e irritados com a situação atual, o que os impulsiona a agir para consertar e melhorar as coisas.
Uma equipe em que o estado de espírito dominante é sempre de bem-estar e em que as pessoas adoram se dar bem umas com as outras é uma equipe que provavelmente não conseguirá se envolver em discordâncias construtivas ou experimentar a inconformidade necessária para gostar de promover mudanças e melhorias. Há uma diferença entre uma equipe de alto desempenho e um clube recreativo.
CAMINHOS ALTERNATIVOS PARA A REALIZAÇÃO
Há muitas outras maneiras de encontrar significado, felicidade e realização além do trabalho. Dados recentes sugerem que a porcentagem de pessoas que veem o trabalho como uma parte central, um pouco relevante ou totalmente irrelevante de sua identidade é praticamente a mesma: um terço em cada grupo. A maioria não considera o trabalho ou sua carreira como uma parte essencial de si mesma.
Por quê? Bom, porque há muitas outras referências de sentido fora do trabalho. Para alguns, seu eu mais autêntico pode ser encontrado em seus hobbies. Para outros, pode ser a religião, a comunidade, a família ou os amigos. Para outros, pode ser a arte, a música etc.
Há muitas outras referências de sentido fora do trabalho. Para alguns, pode ser em seus hobbies. Para outros, a religião, a comunidade, a família.
Para muitas pessoas, o trabalho sempre foi mais uma tarefa, uma necessidade, algo que precisava ser feito e que evitaríamos com prazer quando fosse mais conveniente. Há um motivo pelo qual (ainda) o chamamos de trabalho, e poucas pessoas trabalhariam se não fossem pagas por isso.
EXPECTATIVAS
O segredo da felicidade é reduzir suas expectativas. Os economistas Manel Baucells e Rakesh Sarin argumentam que a felicidade pode ser amplamente compreendida por meio desta simples equação: felicidade = realidade - expectativas. Isso indica que, se a realidade exceder as expectativas, a felicidade aumenta.
Por outro lado, grandes expectativas podem levar à decepção quando a realidade não as atende, resultando em infelicidade. Essa equação simples explica por que, embora as condições de trabalho tenham melhorado significativamente nos últimos 100 anos, estamos mais mal-humorados do que antes.
A felicidade pode ser amplamente compreendida por meio desta simples equação: felicidade = realidade - expectativas.
Não há motivo para sair do seu emprego porque ele não lhe proporciona prazer, felicidade ou diversão. E há muitos motivos para desconfiar do suposto interesse de seu empregador em aumentar sua felicidade, seu humor e seu bem-estar. E o mais importante: a vida oferece um rico repertório de instâncias e oportunidades para experimentar significado, realização e satisfação.
Talvez você não precise de tanta positividade em sua mente ou alma quanto as outras pessoas, e tudo bem. O descontentamento é um fator fundamental para o autoaperfeiçoamento e o desenvolvimento pessoal porque nos leva a refletir sobre nossas circunstâncias, questionar nossas decisões e buscar mudanças significativas. Como observou o autor e coach Thibaut Meurisse: “Sua infelicidade é seu maior professor”.