Imagens geradas por IA podem até ser consideradas arte – mas não são fotos
Imagens criadas por este artista mostram que a IA pode produzir obras surpreendentes. Mas isso não significa que sejam fotografias

Quando criança, nos anos 1970, eu era fascinado por um movimento artístico chamado fotorrealismo. Os pintores desse estilo não produziam obras apenas realistas – eram tão detalhadas que poderiam ser confundidas com fotografias, um feito impressionante para quem trabalha com tinta sobre tela.
Hoje, com ferramentas como DALL-E e Midjourney, que transformam descrições em imagens extremamente convincentes em questão de segundos, vivemos na era do fotorrealismo instantâneo. Mas, na maioria das vezes, essas "fotografias de IA" não passam de mais um conteúdo genérico da internet.
Nunca considerei esse tipo de imagem como arte – até a semana passada, quando li sobre Matias Sauter Morera, um artista costa-riquenho que chamou a atenção ao vender uma imagem gerada por IA para o Museu Getty, em Los Angeles. A obra foi incluída na exposição “Queer Lens: A History of Photography” (Lentes Queer: Uma História da Fotografia).
Em entrevista ao site Artnet, Sauter Morera – que também é um fotógrafo experiente – falou sobre essa e outras imagens que criou com inteligência artificial, inspiradas nas vidas secretas dos cowboys da Costa Rica nos anos 1970.

Mas ele não fez simplesmente digitar comandos no DALL-E e assinar o que saiu. Seu processo envolve o uso de vários modelos de IA, edições no Photoshop e meses de refinamento. Ele faz questão de ressaltar que suas criações não são fotografias – embora seja evidente que sua experiência como fotógrafo tenha influenciado o resultado final.
O impacto emocional de seu trabalho é inegável e, de certa forma, lembra mais o fotorrealismo dos anos 1970 do que as imagens artificiais sem alma que circulam na internet em 2025.
Ainda assim, me surpreendeu ver veículos como o Artnet usarem repetidamente o termo "fotografia de IA" para descrever suas obras. Também não sei bem o que pensar sobre o fato de o Getty ter incluído uma imagem gerada por inteligência artificial em uma exposição de fotografia.
Afinal, só porque algo parece uma fotografia, não significa que seja. Fotografias são registros de luz capturada por uma superfície sensível, seja ela um sensor digital ou um rolo de filme.
Tecnologias para autenticar imagens digitais só funcionam se ainda houver um esforço coletivo para diferenciar o real do falso.
Elas capturam momentos reais que aconteceram. As imagens de Sauter Morera, por outro lado, não registram nada do mundo real – e essa é justamente a intenção. O artista escolheu a IA, entre outras razões, para adicionar um elemento especulativo às suas obras e evitar invadir a privacidade de pessoas reais.
A linha que separa a fotografia da realidade sempre foi nebulosa. Assim como imagens não editadas podem informar, elas também podem enganar. Afinal, fotografar algo é tanto sobre o que está dentro do enquadramento quanto sobre o que fica de fora – nunca vemos a história completa, e às vezes nem uma versão realmente fiel dela.
Por isso, acho importante preservar a distinção entre uma fotografia – mesmo que tenha passado por um processo de edição com IA – e uma imagem que apenas se parece com uma (ou seja, uma "fotografia de IA").
FOTOGRAFIA DE IA: QUEM SE IMPORTA?
Minha preocupação não é apenas que as pessoas sejam enganadas por imagens geradas. Isso já acontece e os algoritmos estão cada vez melhores em apagar qualquer sinal de que uma imagem foi criada artificialmente.
O que me assusta de verdade é o risco de que elas simplesmente deixem de se importar se uma imagem retrata algo real ou não, se é uma fotografia de IA ou não. Em um mundo onde a desinformação já corre solta, tratar imagens geradas por inteligência artificial como fotos de verdade só agrava a situação.
E isso não é um problema hipotético, já está acontecendo. O Facebook está repleto de imagens geradas que não necessariamente enganam os usuários, mas são consumidas como se fossem fotos reais.

No ano passado, durante a passagem do furacão Helene pelos EUA, uma imagem viralizou no Twitter: mostrava uma criança chorando e um cachorro sendo resgatados de barco. A cena emocionou milhares de pessoas, mas também foi usada como munição política contra a resposta do governo Biden ao desastre.
Mesmo depois que sua autenticidade foi questionada, uma integrante do Comitê Nacional Republicano insistiu em chamá-la de “foto” e afirmou que não se importava com sua origem.
Ela pode não se importar, mas nós deveríamos. Tecnologias para autenticar imagens digitais são fundamentais, mas só funcionam se ainda houver um esforço coletivo para diferenciar o real do falso.
À medida que essa distinção se torna mais difícil de fazer apenas com os olhos, teremos que nos esforçar mais para preservá-la. Usar o termo “fotografia” exclusivamente para imagens capturadas com uma câmera pode ser um bom primeiro passo.