Quantas estrelas você dá? Há um jeito melhor de avaliar quem presta serviços

Ajustar a experiência do usuário nos sistemas de avaliação poderia criar um sistema mais justo para os trabalhadores

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Megan Carnegie 4 minutos de leitura

Como consumidores, estamos acostumados a avaliar quase todos os produtos e serviços pelos quais pagamos. De papel higiênico a imóveis de férias e cursos online, o sistema de estrelas é o padrão para avaliar praticamente qualquer experiência de consumo. Mas, para os trabalhadores da gig economy, que prestam serviços autônomos variados no dia a dia, essas avaliações são um pesadelo.

Para os consumidores, leva apenas alguns segundos para dar uma nota. Mas qualquer avaliação abaixo das cinco estrelas pode afetar diretamente a renda e o acesso à atividade de um trabalhador da gig economy – segmento no qual prevalecem empregos autônomos e/ ou temporários, sem vínculo empregatício.

Acadêmicos descobriram que avaliações negativas muitas vezes servem como instrumentos disciplinares que podem reduzir o pagamento de um trabalhador, gerar uma "escassez inexplicável" de tarefas ou até resultar em suspensão ou desativação injustificável das plataformas de serviço.

Sob o comando de processos de avaliação de usuários que mudam a toda hora, com métricas de desempenho e algoritmos opacos, uma coisa é clara: os trabalhadores estão lutando contra poderes digitais invisíveis, apenas para conseguir o suficiente para sobreviver.

Um novo estido publicado na revista científica "Nature" finalmente oferece provas de que essas avaliações por estrelas são uma droga e sugere que os trabalhadores da gig economy podem ter mais chances de um trabalho justo com um simples ajuste no design do sistema.

PEQUENA DIFERENÇA, GRANDES CONSEQUÊNCIAS

Pesquisas anteriores já mostraram que, quando os clientes enviam avaliações, trabalhadores de grupos étnicos minoritários têm mais chances de serem avaliados negativamente, mesmo que seu desempenho e qualidade sejam os mesmos. Mas sabe-se menos sobre como erradicar ou corrigir esses preconceitos.

Tristan L. Botelho, Katherine DeCelles, Demetrius Humes e Sora Jun, todos acadêmicos de universidades norte-americanas, tinham uma hipótese: ao mudar para uma escala de avaliação binária (algo como polegar para cima/ polegar para baixo), esses preconceitos poderiam ser reduzidos.

Uma oportunidade para testar essa hipótese apareceu porque a plataforma da gig economy com a qual estavam colaborando – que conecta proprietários de imóveis na América do Norte a empreendedores de pequenos negócios para reparos domésticos – decidiu simplificar suas avaliação, trocando o sistema de cinco estrelas por uma simples escala de voto positivo ou negativo.

avaliação por estrelas
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Foi uma decisão tomada de última hora, sem aviso prévio para clientes ou trabalhadores. As avaliações eram condicionadas à conclusão de um trabalho, então qualquer cliente com atitudes explicitamente racistas provavelmente já havia cancelado o serviço. Ao analisar cerca de 70 mil avaliações, coletadas antes e depois da mudança, um padrão distinto apareceu.

Com o sistema de cinco estrelas, trabalhadores negros receberam avaliações ligeiramente mais baixas, em média (4,72 estrelas), do que os trabalhadores brancos (4,79 estrelas). Mas essa pequena diferença teve grandes consequências.

Como as avaliações determinavam o pagamento, os trabalhadores negros ganhavam apenas 91 centavos para cada dólar que os trabalhadores brancos ganhavam – pelo mesmo trabalho. Após a mudança para a escala de polegar para cima/ polegar para baixo, a diferença de avaliação e, portanto, a diferença de renda, desapareceram.

os trabalhadores podem ter mais chances de um trabalho justo com um simples ajuste no design do sistema.

“Qualquer desvio das cinco estrelas é problemático, já que as plataformas dependem tanto dessas avaliações. Mas essa foi a primeira vez que vi isso ligado a um resultado para os trabalhadores. Apesar das décadas que passei estudando desigualdade nos processos de avaliação, isso me chocou”, diz Botelho.

“Se você deixar uma avaliação de quatro estrelas para um livro, não está dizendo para alguém ler 80% do livro. Só que muitas plataformas permitem que o avaliador crie seu próprio critério sobre o que significa isso”, explica Botelho.

“O seu quatro é diferente do meu quatro. Com todo esse ruído, mudar o foco para uma avaliação bom x ruim oferece menos espaço para que preconceitos apareçam.”

UM SISTEMA MAIS JUSTO QUE A AVALIAÇÃO POR ESTRELAS

Sistemas mais bem desenhados poderiam, teoricamente, mitigar preconceitos raciais, de gênero e linguísticos (entre outros) e os efeitos negativos que eles têm sobre os trabalhadores, levando a avaliações mais precisas. A avaliação por estrelas também dificulta a identificação e resolução de experiências ruins, criando mais barreiras do que soluções.

Já as avaliações de voto positivo/ voto negativo perguntam diretamente se o serviço atendeu aos padrões do cliente. Caso contrário, as plataformas poderiam fazer um acompanhamento para melhorar.

Um sistema de avaliação redesenhado poderia ser uma forma de apoiar a segurança dos trabalhadores e fazer as plataformas parecerem mais responsivas e justas.

Muitas soluções baseadas em evidências exigem treinamento, investimento e expertise. Mas implementar um simples sistema binário seria fácil para a maioria das empresas – até começando com testes pequenos em certos mercados.

“Muitas plataformas com as quais conversei estão interessadas em tornar seus processos de avaliação mais justos e precisos”, diz Botelho.

Sair do sistema de avaliação por estrelas não vai resolver todos os problemas dos trabalhadores da gig economy (apenas uma regulamentação mais robusta pode fazer isso), mas certamente é um passo no sentido de deixar as pessoas menos à mercê dos poderes invisíveis do digital.


SOBRE A AUTORA

Megan Carnegie é jornalista e escreve sobre tecnologia, negócios e trabalho. saiba mais