A criatividade existe nos encontros

A criatividade sempre será sobre a nossa capacidade de combinar e orquestrar pensamentos distintos

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Rafael Caldeira 3 minutos de leitura

Criar é sobre combinar coisas. Não existe outra forma de criar algo novo se não combinar coisas distintas que já existem. Foi com esse lembrete que Nick Law abriu o Cannes Lions 2024. A beleza dos trabalhos mais premiados do festival com certeza vive nas intersecções de disciplinas e pontos de vista. Não à toa, mais diversidade gera mais criatividade.

Em 1959, Charles Percy Snow escreveu “The Two Cultures and Scientific Revolution”(Duas Culturas e a Revolução Cientifica). Em sua tese, a sociedade ocidental criou uma crença limitante de que pessoas com mais aptidão para ciências exatas não poderiam trabalhar juntas nas mesmas profissões que pessoas com aptidão para ciências humanas.

Snow defende que essa, talvez, seja uma das maiores barreiras para a solução dos problemas mais importantes da humanidade. Por uma simples razão: o encontro dessas mentes poderia gerar combinações inéditas, provavelmente capazes de mudar nossas vidas.

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Na publicidade, vivenciamos uma das maiores revoluções criativas quando Bill Bernbach decidiu romper com o status quo e uniu redatores e diretores de arte para criarem juntos pela primeira vez. Assim surgiram as duplas de criação e os trabalhos mais criativos daquele tempo, como o clássico "Think Small", para VW.

Outra grande revolução foi quando Steve Jobs conseguiu combinar skills de storytelling com sua aptidão por design (sistêmica), criando um novo paradigma de inovação. Hoje, a Apple é a empresa mais valiosa do mundo, a primeira a atingir US$ 1 trilhão em valor de mercado.

Na segunda década dos anos 2000, vimos a R/GA prosperar como uma das agências mais criativas do mundo, também ao unir design, storytelling e tecnologia para criar o Nike Fuel Band – vencedor do Grand Prix em Cannes 2012 e, provavelmente, o grande propulsor do Apple Watch.

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Com a chegada das inteligências artificiais generativas, todos nos perguntamos o que será substituído e o que será aprimorado. Mas a grande questão é como conseguimos combinar nossos pensamentos sistêmicos e sensíveis, ambos humanos, agora com uma nova espécie de inteligência.

Como conseguimos usar o poder que essa nova ferramenta nos dá para criar ideias potentes, que não somente destaquem nossos pontos de vista, de nossas comunidades, ou de nossas marcas, mas que também nos ajudem a resolver os grandes problemas da humanidade, como as mudanças climáticas, a desigualdade e o preconceito.

Em 2011, Marc Andreessen, do "The Wall Street Journal", cunhou a frase "software is eating the world” (o software está devorando o mundo). O presságio chegou mais rápido do que o esperado.

Hoje, toda empresa criativa precisa se tornar também uma empresa de tecnologia. E, de novo, a arte de combinar talentos muitos distintos deve ser o fator crítico de sucesso nessa transformação cultural que estamos vivendo.

Meu palpite sobre IA é que o uso das ferramentas apenas pela perspectiva sistêmica irá nos levar a uma série de melhores práticas e guidelines. Um lembrete importante: as melhores práticas não nos ajudam a vencer, apenas nos ajudam a errar menos. E o erro é o princípio fundamental de qualquer inovação.

A precisão de audiência e mensagem deve gerar um aumento do ruído na comunicação e pasteurização da publicidade. A necessidade de se destacar na multidão vai aumentar e, mais uma vez, a solução pode estar no encontro entre mentes diferentes.

A criatividade sempre será sobre a nossa capacidade de combinar e orquestrar pensamentos distintos. Não à toa, ela é o grande condutor da experiência humana.


SOBRE O AUTOR

Rafael Caldeira é fundador da 404 e Head de Inovação da GALERIA.ag. saiba mais