Saúde social é a nova fronteira do bem-estar – e do futuro do trabalho

Saúde social é a nova fronteira do bem-estar - e do futuro do trabalho
Créditos: master1305 via Getty

Carol Romano 6 minutos de leitura

Falar sobre bem-estar mental é essencial, mas o quadro não está completo se ignorarmos a saúde social.

Você anda 10 mil passos por dia, dorme oito horas, come vegetais frescos, evita processados, faz terapia e medita. Sua saúde e bem-estar melhoram, mas apenas até certo ponto. Isso acontece porque a narrativa e os conselhos tradicionais de saúde, por muito tempo, ignoraram um ingrediente essencial: a conexão humana.

O tema foi protagonista na sessão de abertura do festival South by Southwest, em que Kasley Killam, mestra em saúde pública e autora do livro "The Art and Science of Connection" (A arte e a ciência da conexão, em tradução livre), evidenciou que conexões humanas são o principal fator de bem-estar e motor para produtividade, inovação e retenção de talentos.

“O segredo para uma vida longa e saudável não está apenas na alimentação balanceada ou nos exercícios físicos, mas na qualidade dos nossos relacionamentos”, apontou Killiam.

EPIDEMIA DE SOLIDÃO

Vivemos uma epidemia da solidão. Reino Unido e Japão já tem hoje seus ministérios dedicados ao tema e a Organização Mundial de Saúde (OMS) acaba de criar a Comissão Internacional pela Conexão Social.

Os dados não mentem. Uma pesquisa da Gallup revelou um cenário preocupante: 24% das pessoas em todo o mundo se sentem solitárias e 20% não têm ninguém a quem pedir ajuda.

Em 10 anos, perdemos 20 horas de interação social por mês, o número de lares norte-americanos com apenas uma pessoa dobrou desde 1960 e 40% da população dos EUA que trabalha preferem não socializar com os colegas fora do ambiente profissional.

O impacto do isolamento é brutal: aumenta em 32% o risco de derrame, eleva em 50% a chance de desenvolver demência e em 29% as chances de morte precoce. Em contrapartida, manter relações de qualidade pode aumentar a longevidade em até 50%, o mesmo impacto de parar de fumar.

TIMES EMOCIONALMENTE SAUDÁVEIS

Em conversa com a especialista em ambiente de trabalho Amy Gallo, Killam reforçou como as empresas ainda subestimam o impacto das conexões interpessoais. Se um profissional não tem relações de confiança no trabalho, é questão de tempo até que o engajamento e a produtividade despenquem.

Segundo o Employment & Employability Institute, 56% dos colaboradores ainda preferem trabalhar sozinhos do que com colegas. Apenas 30% alegam ter pelo menos uma relação de confiança no trabalho.

Em contrapartida, quem tem uma relação de confiança apresenta melhor envolvimento com clientes, produção de melhor qualidade e menos probabilidade de se machucar no trabalho. Apenas um cada 12 dos que não têm essas relações está de fato envolvido com o que faz

Crédito: Ivan Samkov/ Pexels

Segundo pesquisa conduzida pela Pryority Group, 84% dos trabalhadores dos EUA dizem que segurança é crucial para navegar mudanças no ambiente de trabalho e que relações de confiança são o segundo maior desejo dos colaboradores, atrás apenas de trabalho remoto e flexibilidade. 

A verdade é que, enquanto muitas empresas investem em saúde física e mental, algumas já entenderam que fomentar uma cultura socialmente saudável produz times conectados, com melhor desempenho cognitivo, menos estresse, menor rotatividade e performance acima da média. 

Se o futuro do trabalho realmente passa pela inovação, precisamos lembrar que ideias disruptivas não nascem no isolamento. Nesse sentido, saúde social não é um detalhe, mas um fator estratégico para os negócios. 

SOCIAL FITNESS

Se a sessão de abertura apresentou o conceito de saúde social como o terceiro pilar, ao lado da saúde física e mental, as formas de exercitar a musculatura social no dia a dia do trabalho e seus benefícios foram o foco do painel “Social Fitness: a chave para dominar disrupção no trabalho”, conduzido pela dupla Henna Pryor, especialista em desempenho no ambiente de trabalho, e Shane Hatton, focado em cultura de equipes.

Hannah lembrou uma citação marcante da psicoterapeuta Esther Perel no SXSW do ano passado, que ilustra bem essa questão: “Temos mil amigos no Facebook e ninguém para alimentar nosso gato."

Henna Pryor (esq.) e Shane Hatton (Crédito: Divulgação)

No ambiente de trabalho, isso se traduz em ter mil conexões no LinkedIn, mas ninguém para nos substituir se ficarmos doentes. A pergunta crucial é: como podemos nos sentir tão conectados socialmente quanto estamos tecnologicamente?

“Para resolver a falta de conexão social, não adianta apenas adicionar mais festas ou mesas de pingue-pongue. É preciso projetar espaços e interações melhores e intencionais.”, disse Hatton. 

O social fitness pode desempenhar um papel fundamental na criação de culturas organizacionais mais saudáveis e engajadas. As empresas podem cultivar ambientes mais colaborativos e com maior foco em objetivos comuns. A ideia central é fomentar uma rede de apoio tanto dentro quanto fora dos escritórios.

O FATOR COMUNICAÇÃO

Shane destacou que muitos problemas de negócios têm raízes na comunicação, especialmente em um mundo onde as equipes estão cada vez mais distribuídas e as formas de comunicação se tornaram mais complexas. 

Ele mencionou que expectativas não ditas são ressentimentos premeditados, uma citação de Neil Strauss. “O que não é comunicado, é sentido. O que é sentido, é interpretado. O que é interpretado, é impreciso”, complementou Pryor, mencionando Tory Eletto. 

Assim como exercícios físicos previnem dores nas costas, a comunicação preventiva, empática e assertiva, que pode ser aprendida e exercitada pelos times, evita ressentimentos e é ferramenta fundamental para criação de vínculos de confiança.

POLARIDADE x POLARIZAÇÃO

Os painelistas também discutiram sobre a natureza das polaridades no ambiente de trabalho. Onde existem pessoas se relacionando, é natural que surjam diferenças – e isso não é algo negativo. Polaridades podem criar um bom atrito, que impulsiona a inovação e o crescimento. 

A polarização se estabelece quando as diferenças se tornam tão extremas que criam divisões e conflitos e as equipes se dividem em grupos com visões opostas e deixam de se comunicar de forma eficaz.

Um exemplo comum é a polarização entre gerações. A geração Z pode preferir trabalhar em escritórios para evitar a solidão, enquanto a geração X e os millennials valorizam a flexibilidade do trabalho remoto.

precisamos lembrar que ideias disruptivas não nascem no isolamento.

Se essas diferenças não forem gerenciadas, podem surgir ressentimentos e falta de colaboração. A polarização também pode ocorrer em equipes globais, onde a distância física e cultural pode criar mal-entendidos e distorções na comunicação.

A chave é gerenciar a polaridade, não eliminá-la. Equipes que conseguem navegar por essas tensões são aquelas que prosperam, pois aprendem a lidar com conflitos de forma produtiva. 

As equipes que se preparam para o futuro não são aquelas que concordam mais, mas aquelas que conseguem lidar melhor com as tensões. Afinal, as tensões que nascem dentro da empresa representam a realidade do mercado lá fora, e isso é altamente produtivo.  

Créditos: Olena Koliesnik/ Getty Images/ Steve Johnson/ Unsplash

Investir na saúde social não é apenas uma questão de bem-estar, mas uma estratégia essencial para o sucesso das organizações. Em um mundo onde a solidão já é reconhecida como um desafio global e o trabalho se torna cada vez mais distribuído e digital, as empresas que priorizam conexões humanas criam times mais resilientes, inovadores e produtivos.

O futuro do trabalho será moldado pela qualidade das relações interpessoais, pela capacidade de comunicação e pela habilidade de gerenciar polaridades de forma construtiva. Não basta falar sobre colaboração; é preciso projetar ambientes que a tornem realidade.


SOBRE A AUTORA

Carol Romano é consultora de inovação, psicanalista e especialista em relações. Cofundadora da consultoria Futuro Co. com foco em inno... saiba mais