Grão-de-bico e batata-doce da Embrapa embarcam com Katy Perry
O cultivo de plantas no espaço oferece condições como a produção sem solo ou com solos lunares e marcianos, com baixa oferta de água e de nutrientes; empresa responsável pela missão pertence a Jeff Bezos, dono da Amazon

Nem só de celebridades vive uma missão suborbital. O voo da Blue Origin aconteceu na última segunda-feira, 14, e teve pela primeira vez a tripulação 100% formada por mulheres. Mas a 31ª missão também contou com representante do Brasil. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, mandou plantas de batata-doce e sementes de grão-de-bico.
O voo, feito pela empresa espacial de Jeff Bezos, fundador da Amazon, chegou a cerca de 100 quilômetros acima da superfície da Terra e serviu para pesquisar como as duas espécies se comportam em condições espaciais. A batata-doce embarcada é da cultivares Beauregard e Covington. Já as sementes de grão-de-bico são BRS Aleppo, desenvolvido por cientistas brasileiros por meio dos programas de melhoramento genético da Embrapa.
Segundo a Embrapa, a pesquisa com as duas espécies em condições espaciais faz parte das ações da Rede Space Farming Brazil – uma parceria entre a Embrapa e a Agência Espacial Brasileira (AEB), ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que reúne os principais estudos do país sobre a produção de alimentos fora da Terra, sob condições como alta radiação e baixa gravidade.
AGRICULTURA NO ESPAÇO
A inclusão do material brasileiro no voo surgiu de um convite do professor Rafael Loureiro, da Winston-Salem State University (WSSU), no estado americano da Carolina do Norte, segundo nota divulgada pela Embrapa.
A astronauta que conduzirá os experimentos com as sementes brasileiras, Aisha Bowe, é ex-cientista de foguetes da NASA, a agência espacial americana, e mantém parceria com a Odyssey, empresa de operações e ciências espaciais da universidade que viabilizou os experimentos na missão da Blue Origin. No retorno das amostras ao Brasil, cientistas da Rede Space Farming Brazil vão avaliar o material recebido.
REAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
A pesquisa em agricultura espacial, segundo a Embrapa, deve acelerar o melhoramento genético e trazer inovações para a agricultura praticada na Terra, especialmente com o avanço das mudanças climáticas.
“Muitos são os exemplos de soluções espaciais que tiveram aplicações no cotidiano das pessoas. A NASA já publicou mais de 2 mil dessas tecnologias que são utilizadas no nosso dia a dia, como telas de celulares, ferramentas sem fio, termômetros com infravermelho e comida desidratada”, explicou por meio de nota a pesquisadora Alessandra Fávero, da Embrapa Pecuária Sudeste, coordenadora da Rede Space Farming Brazil.
A pesquisadora acredita ser possível avançar muito em tecnologias modernas para auxílio na agricultura brasileira, com o uso de inteligência artificial (IA) na irrigação, melhoria e adequação de plantas em cultivo indoor, novas cultivares mais tolerantes à seca, mais eficientes no uso da energia ou mais adaptadas aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, mais produtivas e mais nutritivas.
POR QUE GRÃO-DE-BICO E BATATA-DOCE?
A batata-doce e o grão-de-bico, de acordo com a Embrapa, foram escolhidos porque “reúnem vantagens agronômicas e nutricionais, quando se considera os desafios tecnológicos e científicos de cultivar plantas no espaço”. São espécies adaptáveis e resilientes, de rápido crescimento e fácil manejo, que se desenvolvem bem em condições adversas, mesmo com pouco uso de insumos ao longo do ciclo de produção.
A batata-doce tem ainda outra característica. Ela pode contribuir com a dieta de astronautas por se tratar de uma fonte de carboidratos de baixo índice glicêmico. Suas folhas são uma alternativa de consumo como proteína vegetal.
“As raízes da batata-doce produzem compostos bioativos que promovem a saúde humana, pois atuam como poderosos antioxidantes naturais que inibem a ação de radicais livres no organismo”, explicou, em nota, a engenheira-agrônoma Larissa Vendrame, pesquisadora da área de melhoramento genético da Embrapa Hortaliças (Brasília).
O consumo é especialmente valioso em ambientes expostos à radiação, como nas condições da Lua, de Marte ou na Estação Espacial Internacional, segundo Larissa.
VALOR NUTRICIONAL
Já o grão-de-bico foi selecionado para a missão por conta do alto valor nutricional e pela alta adaptabilidade do cultivo, de acordo com Fábio Suinaga, pesquisador da área de melhoramento genético vegetal da Embrapa Hortaliças.
A pesquisa com o grão-de-bico tem como objetivo o desenvolvimento de plantas mais produtivas, com menor altura e ramificações mais eretas, um porte mais adequado às limitações do ambiente espacial.
“Estamos planejando submeter sementes de grão-de-bico à radiação Gama e aos nêutrons, que atuam como geradores de variabilidade genética, da mesma forma que os cruzamentos realizados em laboratório e campos experimentais”, afirmou Suinaga, também por meio de nota.
O cultivo de plantas no espaço demanda tanto o desenvolvimento de sistemas de produção sem solo ou com solos lunares e marcianos, quanto cultivares selecionadas para condições de baixa disponibilidade de água e nutrientes, segundo a Embrapa. De acordo com Larissa, esses desafios são também demandas reais do setor produtivo de batata-doce para as condições de cultivo nas lavouras brasileiras.
O QUE É A SPACE FARMING BRAZIL
A Space Farming Brazil foi criada desenvolver soluções voltadas à produção de alimentos em ambientes fora da Terra. Os cientistas trabalham no desenvolvimento de sistemas de produção adaptáveis ao espaço. O objetivo é garantir a produção de alimentos em condições de elevada radiação, baixa gravidade e ausência de solo.
A rede conta com 56 pesquisadores de 22 instituições – entre elas, o Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Florida Tech University (FIT) e a Universidade de Newcastle (NCL).