O que a DeepSeek tem a ver com as ações das big techs
Especialistas explicam o que esperar do futuro das ações das Big Techs depois do anúncio da empresa chinesa que abalou o mercado

Na segunda-feira (27), as ações das big techs foram impactadas por um anúncio da chinesa DeepSeek. As empresas de tecnologia negociadas na bolsa americana Nasdaq despencaram. O efeito foi de pânico generalizado.
Somadas as perdas, as ações das big techs, de acordo com o Financial Times e a Bloomberg, despencaram mais de US$ 1 trilhão em valor de mercado.
Os papéis da Microsoft e Meta caíram mais de 3%; Alphabet, do Google, perdeu 3,4% e a Apple recuou 1,4%.
A companhia mais afetada foi a gigante Nvidia, principal fornecedora de chips para a IA generativa. Até então, a empresa comandada por Jensen Huang era considerada a mais valiosa do mundo.
O valor de mercado da Nvidia era de US$ 3,49 trilhões até o início da semana. Mas a companhia perdeu cerca de US$ 600 bilhões em um único dia. No entanto, no dia seguinte, houve uma recuperação de US$ 250 bilhões em valor de mercado.

O motivo da retração das ações das big techs está na entrada da startup DeepSeek no mercado de inteligência artificial. Fundada pelo gestor de fundos hedge Liang Wenfeng, a empresa anunciou ter criado modelos de IA. Como diferencial, custos muito menores do que as empresas que dominam o segmento: OpenAI (criadora do ChatGPT) e Google.
Para efeitos de comparação, a DeepSeek afirma ter investido menos de US$ 6 milhões no treinamento do seu modelo. A OpenAi teria gasto US$ 100 bilhões para a versão atual do ChatGPT.
HORA DE REAVALIAR A CARTEIRA
Com a noção de que as gigantes big techs dos Estados Unidos podem ter agora uma concorrente importante no segmento de IA, os investidores encararam no dia 27 a ameaça ao rali das aplicações de tecnologia.
Apesar disso, Nassim Taleb, criador do conceito de "Cisne Negro", disse em entrevista à Bloomberg News que o recuo foi “muito pequeno”, apontando para os verdadeiros riscos do setor.
Taleb afirmou que retrações futuras podem ser duas ou até três vezes maiores do que a queda desta semana. “Este é o começo de um ajuste das pessoas à realidade, porque agora elas percebem que não é mais perfeito. Você tem uma pequena rachadura no vidro”, disse.
O QUE FAZER COM AS AÇÕES DAS BIG TECHS
Apesar das promessas de retorno, o analista Robert Machado, analista CNPI da CM Capital, pondera que o setor de tecnologia é muito sensível às questões macroeconômicas. Entre elas, guerras, embargos econômicos e variação cambial.
Por isso, uma saída para continuar investindo nas ações das big techs pode estar na aquisição de um “seguro”, o chamado put.
“O titular de uma put tem o direito de vender o ativo ao preço estabelecido durante a compra. Com uma boa estratégia de rolagem é possível lucrar tanto na alta do papel quanto na queda forte como esta da última segunda-feira”, explica Machado.
A recomendação, na sua visão, é que o investidor de médio prazo espere a consolidação do cenário para a abertura de novas posições.
DIVERSIFICAÇÃO REDUZ RISCOS
O momento mostra a importância de diversificar os investimentos em carteira para equilibrar o grau de risco, analisa Plínio Zanini, diretor de Risco da Ciano Investimentos. Afinal, o futuro das ações das big techs com a DeepSeek e outras concorrentes é incerto.
“Quando você tem isso [a diversificação] dá para buscar um menor risco, olhando para outros setores”, explica. Como exemplo, o especialista cita a valorização dos fundos imobiliários americanos no mesmo dia em que as big techs derreteram.
Os ativos de energia renovável, que continuam em alta dada a demanda por energia dos investimentos de IA, são citados pelo diretor da Ciano entre os que devem ser observados.
Em relatório, os analistas do Citi avaliaram que, com o possível aumento da demanda de IA - motivada pela redução de custo -, o consumo de energia pode crescer. Isso beneficiaria as operações da brasileira WEG nos Estados Unidos. Assim, poderia ser vantajoso, segundo o banco, redirecionar parte das aplicações no setor para a WEG.
Outra possibilidade, segundo Zanini, é monitorar pequenas startups que podem aparecer agora, principalmente levando em conta que o modelo da DeepSeek é de código aberto.
A sugestão se estende às empresas que desenvolvem produtos intermediários para o usuário final de IA, já que elas também podem se beneficiar.
A VELOCIDADE DAS MUDANÇAS
A entrada de um novo player no mercado, na visão de Thiago Carone, head comercial da Nova Futura Investimentos, pode levar a um avanço “muito grande” na indústria de semicondutores.
“Se de fato as companhias precisarem de menos chips para fazerem um trabalho tão bom quanto uma empresa que gastou bilhões de dólares. Isso tende a baratear muito o acesso à IA mesmo para outras empresas. Elas terão novas perspectivas de colocar isso no dia a dia", diz o executivo da Nova Futura.
Com isso, completa, haverá mais facilidade tanto pesquisas quanto na substituição de trabalho humano. Como consequência, poderia-se esperar por mais concorrência para que "outras companhias entreguem coisas melhores com um custo menor”.
Em 2025, a previsão é de aumento de cerca de 15% da demanda por IAs e GPUs (espécie de microprocessador, um circuito eletrônico capaz de realizar cálculos matemáticos muito rápidos). Isso confirma a noção de crescimento do setor.
O fato depois da chacoalhão nas ações das big techs é que o tema ainda rende incertezas, apesar da euforia com as possibilidades que podem surgir. As dúvidas devem ser respondidas, principalmente em relação às restrições de importações e tensões entre China e Estados Unidos, considerando que os modelos da DeepSeek foram treinados com chips da Nvidia.
RISCO DE FUTURAS AMEAÇAS?
Há também questionamentos sobre o surgimento de novos projetos, como o Stargate, anunciado em 21 de janeiro pelo presidente americano Donald Trump, diz Zanini.
O projeto Stargate, de U$ 500 bilhões, reúne financiadores bilionários - OpenAi, SoftBank, Oracle e MGX - e prevê a construção de uma infraestrutura de inteligência artificial.
A estratégia dos investimentos é outro ponto incerto, segundo o analista. “A questão é como as empresas [de tecnologia] serão impactadas. Vamos ter, ou não, um retorno equivalente em relação aos investimentos que estão sendo feitos?", alerta Zanini.
"Pensando a longo prazo, principalmente porque essas companhias estavam de certa forma sobreavaliadas, no sentido do lucro atual e numa projeção de crescimento muito alta. Agora essas projeções podem ser revistas”, explica Zanini.
QUAL É O IMPACTO NAS 7 MAGNÍFICAS?
Mas qual é a razão de a novidade chinesa ter atropelado a cotação das ações das big techs? Segundo Machado, da CM Capital, hoje o ChatGPT-o1 custa US$ 15 para cada milhão de input tokens (perguntas ou solicitações feitas para a IA). Já o DeepSeek-R1 custa US$ 0,55.
Para além dos gastos reduzidos, a IA da DeepSeek é totalmente gratuita, até nos recursos mais avançados em que o ChatGPT cobra uma assinatura do usuário. E ainda é de código aberto. Com ele, qualquer pessoa consegue usar o modelo e adaptá-lo, ou melhorá-lo, para seus próprios objetivos.
Na prática, isso significa que é possível ter outros desenvolvedores e empresas criando novos recursos de IA a partir da DeepSeek.
Como resultado, somente na última segunda-feira, o AI Assistant, o aplicativo da DeepSeek, teve mais de 2,6 milhões de downloads somados na App Store e Google Play.
Na terça-feira, a ferramenta estava entre os 10 aplicativos gratuitos mais baixados em 111 países na App Store e em 18 no Google Play