Como a liberdade de escolha se tornou uma armadilha da vida moderna
Ter mais opções não melhora nossa liberdade nem nosso bem-estar, seja individualmente ou em nível social

Tem uma coisa que se chama "opções demais". Por mais importante que tenha sido o direito de escolher em diversos movimentos de emancipação, chega um ponto em que a escolha se torna uma armadilha, algo que vai longe demais.
A seguir, a professora de história Sophia Rosenfeld compartilha três pontos chave de seu novo livro, "The Age of Choice: A History of Freedom in Modern Life" (A era da escolha: uma história da liberdade na vida moderna, em tradução livre).
TER ESCOLHAS NOS FAZ SENTIR LIVRES
Você fez alguma escolha recentemente? Pode ser sobre o sanduíche que vai comer, o candidato político que vai apoiar ou até mesmo um filme para assistir enquanto relaxa no sofá. Você provavelmente primeiro olhou uma lista de opções e escolheu o que mais te agradou, certo? A resposta provável é "sim", porque fazer esse tipo de escolha tem sido algo bem rotineiro ultimamente.
Quando tomamos uma decisão a partir de um menu de opções, costumamos nos sentir como se isso fosse uma forma de liberdade. Afinal, naquele momento, ninguém está nos dizendo o que fazer e conseguimos o que queremos.
Às vezes, até sentimos que estamos nos definindo como pessoas distintas, com gostos próprios: vegetarianos X carnívoros, fãs de comida raiz X gourmets, e por aí vai.
O mesmo vale para escolher ideias e crenças, empregos, encontros ou até maridos/ esposas. A escolha é onde a vida política, a democracia e a cultura de consumo se encontram.
O “direito de escolher” virou algo central, desde declarações de direitos até anúncios publicitários. Para a maioria de nós, ter opções e poder agir de acordo com nossos desejos é o que significa sentir-se livre (nos dias de hoje).
A LIBERDADE DE ESCOLHA TEM MUITAS REGRAS
Conforme as escolhas cresceram em todos os setores da vida – como no amor, na política ou na decoração da casa – elas precisaram de novas tecnologias para funcionar. Pense, por exemplo, nos catálogos, amostras grátis, pesquisas e todas as versões digitais que agora nos permitem visualizar as opções disponíveis e registrar nossa escolha.
O aumento constante de situações de escolha e de opções exigiu a invenção de mais e mais regras sobre quem pode escolher o quê, quando e como. Escolher um sanduíche em um menu, por exemplo, exige várias regras invisíveis que foram aumentando com o tempo, como as normas sobre a segurança dos produtos, as regras sobre o que acontece com o dinheiro que você paga pelo seu misto quente e até as regras sobre como se posicionar para registrar sua escolha.

Os chamados “mercados livres” só funcionam quando leis de diversos tipos – criadas por uma série de “arquitetos de escolhas”, no jargão dos economistas comportamentais – são elaboradas para garantir que todo o processo aconteça de maneira fluida.
Esse tipo de liberdade para fazer ou escolher aquilo que se encaixa nas preferências de cada um geralmente só está disponível durante o tempo livre, quando não estamos trabalhando. E, claro, sempre está limitado a algumas pessoas e não a outras: gente com dinheiro, pessoas de uma certa idade, cidadãos ou residentes, indivíduos de um sexo em vez do outro.
A escolha é sempre uma forma limitada de liberdade porque, para ela realmente funcionar, exige outras condições, tanto formais quanto informais.
A ESCOLHA PODE SER UMA ARMADILHA COM REPERCUSSÕES NEGATIVAS
A maioria das pessoas não quer abrir mão da liberdade de escolha. Faz sentido que o direito de escolher seja associado à proteção dos direitos humanos e aos índices de felicidade globais.
Mas, por outro lado, raramente paramos para refletir sobre os lados negativos de depender tanto da escolha. Como os psicólogos costumam dizer, os seres humanos têm limitações em sua capacidade de fazer boas escolhas, porque não conhecemos de verdade nossa própria mente.
Ficamos também ansiosos por ter muitas opções, já que não conseguimos prever os resultados e sabemos que, provavelmente, depois vamos nos questionar se, de fato, fizemos a escolha certa.
Conforme as escolhas cresceram em todos os setores da vida, elas precisaram de novas tecnologias para funcionar.
Quem nunca sentiu aquele leve pânico ou até uma paralisia ao se deparar com muitas opções e pouca orientação sobre como escolher entre elas, seja na vida real ou online?
Todo esse estresse sobre escolhas individuais faz com que muitas vezes acabemos culpando os outros – especialmente os mais desfavorecidos, que dispõem de poucas opções ou só escolhas ruins – por resultados que podem não ser totalmente culpa deles.
Será que é realmente uma “má” escolha tentar atravessar iuma fronteira ilegal se você está preso em um país devastado pela guerra, sem outras opções de escapar?
Ficamos tão perdidos pensando sobre nossas próprias opções para satisfação pessoal que nos tornamos incapazes de pensar em como alcançar algo que seja de interesse coletivo, como um ar limpo, água potável ou uma solução para o problema dos refugiados. Nesses casos, ter mais escolhas não melhora nossa liberdade nem nosso bem-estar, seja no nível individual ou social.
Este artigo foi publicado no "Next Big Idea Club" e reproduzido com permissão. Leia o artigo original