Saúde mental em dia está entre os maiores sonhos do brasileiro
Estudo do Movimento Bora Sonhar revela que equilíbrio emocional e mental entrou na lista de desejos da população

Ter a saúde mental em dia entrou para a lista de sonhos dos brasileiros. Segundo levantamento do Movimento Bora Sonhar, o tema aparece em 25% das publicações de usuários brasileiros em redes sociais.
Esse é o mais novo item de uma lista de dados que refletem a imagem de um país entristecido, ansioso e sozinho. Não, não estamos bem. E a hora para entender o motivo e procurar soluções é agora.
O estudo do Bora Sonhar utilizou a plataforma Cosmos, que usa inteligência artificial para analisar grandes quantidades de dados públicos online. Para o levantamento, foram analisados mais de 104 mil mensagens postadas em plataformas como X/ Twitter e YouTube.
“O quão distante a saúde mental está das pessoas para ela ser vista como um sonho, para ser colocada no ponto do inatingível?”, questiona Camila Holpert, cofundadora do Movimento Bora Sonhar e uma das criadoras da Cosmos. Juliana de Faria, colunista da Fast Company Brasil, e a comunicadora Nayara Ruiz, também são as idealizadoras do projeto.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil é líder global em quantidade de pessoas ansiosas. Ainda de acordo com a OMS, o país só fica atrás dos Estados Unidos quando o assunto é prevalência de depressão.
Pesquisa da Covitel de 2024 mostra que 26,8% têm algum transtorno de ansiedade no país. O termo foi, inclusive, escolhido como a palavra do ano do Brasil em 2024.
Nesse cenário, não é surpresa descobrir que milhares de brasileiros publicam frases como “sonhando com o dia em que não vou ter ansiedade” ou “ultimamente, meu maior sonho é ter saúde mental”.
Mas, ainda assim, o volume desse tipo de pensamento ligou um alerta para Camila. “Quando a desesperança chega no sonho, temos um grande problema. É uma questão coletiva”, aponta.
BRASIL, MOSTRA A TUA CARA
Bem-estar mental envolve mais do que o indivíduo. Saúde mental depende de fatores como estrutura social, mercado de trabalho, segurança pública, cidadania e até mesmo urbanismo.
Uma das principais pesquisas que analisam felicidade, o World Happiness Report, feito pela Gallup e publicado no dia 20 de março, mede um pouco de tudo – de renda per capita até o índice de “benevolência” das pessoas.
Neste ano, o Brasil ocupa a 36ª posição num ranking de 147 nações. Subimos em relação ao ano anterior (44ª), mas ainda estamos longe da 17ª colocação atingida em 2015.
O que puxou o Brasil para cima do top 40 foi a generosidade. Segundo o relatório, 63% dos brasileiros informaram que ajudam pessoas desconhecidas na rua. Indicador maior do que o visto na Finlândia, que lidera o ranking global de felicidade.


Essa disposição toda, no entanto, convive com um paradoxo: estamos cada vez mais isolados. O relatório mostrou que, de 2006 a 2024, o brasileiro percebeu queda na qualidade das conexões sociais.
O Brasil segue uma tendência mundial preocupante, a da epidemia da solidão. Segundo o estudo, 19% dos jovens adultos em nível mundial relataram não ter ninguém em quem pudessem confiar para apoio social, um aumento de 39% em relação a 2006. No Brasil, 15% dos jovens adultos relataram não ter uma pessoa próxima com quem pudessem contar.
Saúde mental depende de fatores como estrutura social, mercado de trabalho, segurança pública, cidadania e até mesmo urbanismo.
Na visão do fundador do Whole Being Institute e especialista em felicidade Henrique Bueno, embora a questão do bem-estar e da felicidade seja multifatorial, existe uma possível explicação para a degradação das relações: o brasileiro passa mais de nove horas por dia em telas. “Depois de um certo número de horas, não estamos mais usando a tecnologia, estamos sendo usados por ela”, diz.
Esse sequestro de atenção reduz a qualidade das experiências. Bueno explica que a felicidade é atingida pela combinação de prazer e propósito. “No mundo tecnológico, somos bombardeados por microdoses de dopamina, que dão prazer. Mas não dá tempo para chegar à conexão, o sentido”, ensina.
O descompasso aparece como estresse. De acordo com o relatório global World Mental Health Day 2024, o Brasil ocupa o quarto lugar na lista de países com maior nível de estresse. Dos 1,5 mil brasileiros entrevistados, apenas 26% relataram não ter sofrido nenhum pico de estresse que atrapalhasse o seu dia ao longo de um ano.
Não é à toa que muitos dizem sonhar com uma única semana tranquila.
O QUE EU QUERO? SOSSEGO!
“O oposto da saúde mental não é a tristeza, ou o estresse, ou a ansiedade. É o desespero”, explica Carol Romano, consultora de inovação, psicanalista e especialista em relações. Carol é cofundadora da consultoria Futuro Co.
Segundo ela, o que diferencia os países mais felizes dos menos felizes não é dinheiro ou ausência de problemas, mas a confiança – nas pessoas e nas instituições. É um ponto sensível para o Brasil. Apesar de figurar entre os países com maior índice de atos de generosidade, os brasileiros ainda desconfiam um do outro.
No World Happiness Report deste ano, foi feita uma análise de confiança. Quando perguntados se acreditam que uma carteira perdida na rua seria devolvida, a maioria diz que não. Mas os experimentos mostram o contrário: em 80% dos casos, a carteira é, sim, devolvida.

“Desconfiamos mais do que deveríamos. A realidade é melhor do que acreditamos que ela seja”, diz Carol Romano. Para ela, a convivência, o apoio e a escuta são recursos potentes de cuidado coletivo. E são também caminhos possíveis para sair do ciclo de desesperança. É o famoso “olhe para o lado”.
Camila Holpert lembra que é olhando para o vizinho que as pessoas vão perceber que tanto seus sonhos quanto seus medos são parecidos. “Ninguém realiza sonho sozinho. Está na hora de se conectar com essa ideia”, diz a cofundadora do Movimento Bora Sonhar.
O oposto da saúde mental não é a tristeza, ou o estresse, ou a ansiedade. É o desespero.
A boa notícia é que ainda dá tempo de fazer diferente. O estudo "Os Sonhos do Brasil" propõe que escolas, empresas e governos promovam ações concretas para reacender o desejo – não só no sentido individual, mas também comunitário. Clubes de sonho, editais públicos para projetos pessoais, cidades sonhadoras, redes de apoio e de compaixão.
“Sonhar não é sobre bater meta. É sobre ter espaço para o que ainda nem foi imaginado”, diz Camila. Em um mundo que nos convoca o tempo todo a correr, a compartilhar, a clicar, a se desesperar, está na hora de pausar e sonhar juntos.