Sem regras claras, modelo de trabalho híbrido pode dar muito errado
O futuro do trabalho é híbrido, mas o seu sucesso depende da nossa capacidade de criar regras adequadas e claras para esse modelo
Imagine a seguinte situação: você está montando um móvel que veio na caixa, mas sem manual de instruções. Você tem todas as ferramentas, todas as peças, mas não sabe nem por onde começar. É assim que as pessoas se sentem em um modelo de trabalho híbrido sem um manual de condutas adequado.
Uma pesquisa recente realizada pela McKinsey mostrou que 68% das empresas não contam com um manual estruturado para nortear seu modelo de trabalho híbrido. A falha na implementação de um processo bem fundamentado, de acordo com a pesquisa, atrapalhou até as empresas mais experientes.
Muitas empresas estão sofrendo para criar um modelo híbrido eficaz, dificuldade que é agravada pela força da zona de conforto.
É preciso encarar a elaboração das regras do trabalho híbrido como a receita secreta, o manual de instruções ou até mesmo a impressão digital exclusiva da empresa. Elas descrevem a forma como a organização aborda o trabalho: quem faz o quê, onde e quando. Mais importante ainda, criam uma referência unificada de como o trabalho é feito, facilitando a comunicação e a transparência em todos os níveis.
A evidência mais convincente do impacto de um manual de regras adequado pode ser vista nos avanços feitos por empresas remotas e startups no período pós-pandemia.
A criação e documentação de regras bem claras permitiu que essas organizações navegassem com eficiência no complexo labirinto do modelo híbrido, criando estruturas que sustentam fluxos de trabalho eficientes e fortes canais de comunicação.
COMO NOSSO CÉREBRO ATRAPALHA
Quando estamos lidando com as realidades do modelo de trabalho híbrido e com a regulação necessária para sustentar sua implementação, é fundamental reconhecer como os preconceitos cognitivos podem influenciar esse processo.
O viés do status quo (ou da zona de conforto) decorre de nossa aversão à mudança e do desconforto associado a cenários desconhecidos. No contexto do modelo de trabalho híbrido, esse apego à zona de conforto pode representar um obstáculo significativo.
Muitas empresas estão sofrendo para criar um modelo híbrido eficaz. Essa dificuldade é agravada pela força da zona de conforto, em que tanto os funcionários quanto a gerência podem resistir à mudança, apegando-se aos métodos tradicionais de trabalhar e de criar regras sobre os processos de trabalho.
Por exemplo, a ideia de documentar processos ou protocolos específicos para o trabalho remoto pode acabar sendo desconsiderada, com as pessoas preferindo se ater aos métodos existentes e mais centrados no escritório. Essa tendência pode levar a decisões ruins, como a manutenção de processos simplesmente porque já são bem conhecidos, causando ineficiência e falhas na comunicação.
Sair da zona de conforto requer um esforço consciente de toda a empresa. Incentivar discussões abertas sobre as mudanças, oferecer treinamento sobre novos protocolos e processos e destacar os benefícios do novo sistema são iniciativas que podem ajudar a neutralizar esse viés.
A tendência à zona de conforto se refere à vontade de confiar fortemente naquilo que é mais familiar na hora de tomar decisões. No contexto de um modelo de trabalho híbrido, isso pode se manifestar de várias maneiras. Um desses cenários pode ser durante a elaboração inicial das regras para o modelo de trabalho híbrido.
tanto os funcionários quanto a gerência podem resistir à mudança, apegando-se aos métodos tradicionais de trabalhar e de criar regras sobre os processos de trabalho.
Se o primeiro rascunho for criado com ênfase excessiva no trabalho remoto ou no presencial, poderá servir como uma base viciada, que vai influenciar todas as edições subsequentes dessas regras. Isso pode levar a um modelo híbrido desequilibrado.
Da mesma forma, as empresas e instituições podem acabar se ancorando em regras pré-pandêmicas, esperando que os funcionários adaptem seus ambientes domésticos para refletir as configurações tradicionais do escritório.
Esse tipo de fixação no passado pode levar à não consideração de soluções inovadoras que potencializam as vantagens do trabalho remoto, como programação flexível ou espaços de trabalho individualizados.
Para neutralizar a tendência de se manter na zona de conforto, é preciso incentivar diversas contribuições durante os processos de tomada de decisão e questionar as suposições baseadas nas "primeiras impressões".
A criação de várias versões preliminares das regras de conduta e a coleta abrangente de feedback dos funcionários podem ajudar a evitar o apego excessivo a um modelo híbrido desequilibrado ou ineficaz.
COMO CRIAR REGRAS EFICAZES
Uma boa estratégia de elaboração de regras e normas começa com a identificação e a compreensão dos vários elementos do modelo de trabalho específico da empresa.
1. Identifique os momentos críticos do processo
Isso pode variar desde a identificação dos principais estágios do desenvolvimento do projeto até a determinação de quais atividades são mais bem realizadas presencialmente. Um esboço claro e bem documentado desses momentos fornece um mapa que orienta os funcionários a fazer escolhas inteligentes sobre seu próprio trabalho.
2. Implemente tecnologias avançadas
Ferramentas como videoconferência, quadros brancos digitais e até tecnologias de realidade aumentada e realidade virtual têm que ser integradas ao sistema. O objetivo é criar um espaço de trabalho virtual que rivalize, ou até mesmo supere, sua contraparte física.
3. As regras não devem ser uma cartilha padronizada e definitiva
Elas têm que funcionar como um guia em evolução que deve ser atualizado para refletir as mudanças nos fluxos de trabalho e os avanços tecnológicos.
Se há algo que podemos aprender com essa pesquisa da McKinsey, é o seguinte: o futuro do trabalho é híbrido, mas seu sucesso depende em grande parte de nossa capacidade de criar regras claras e coerentes para seu bom andamento.