A natureza sempre acha um jeito: caranguejos adotam “conchas de plástico”

Um exemplo revelador de como as atividades humanas afetam o comportamento de animais selvagens

Crédito: Luis Diaz Devesa/ Getty Images

Mark Briffa 4 minutos de leitura

Os caranguejos-eremitas terrestres têm usado tampas de garrafas, partes de lâmpadas velhas e garrafas de vidro quebradas em vez de conchas. Uma nova pesquisa realizada por cientistas poloneses examinou 386 imagens de caranguejos-eremitas usando conchas artificiais.

As fotos foram compartilhadas por usuários em plataformas online e depois analisadas por cientistas através de uma abordagem de pesquisa conhecida como iEcologia. Das 386 fotos, a maioria – 326 casos – mostrava caranguejos-eremitas usando objetos de plástico como abrigo.

À primeira vista, este é um exemplo revelador de como as atividades humanas podem alterar o comportamento de animais selvagens e, possivelmente, a forma como populações e ecossistemas funcionam.

Mas há muitos fatores em jogo. Embora seja fácil tirar conclusões precipitadas, é importante entender exatamente o que pode estar impulsionando essa mudança específica.

SELEÇÃO DE CONCHAS

Os caranguejos-eremitas são um excelente modelo de organismo para estudos, pois exibem uma variedade de comportamentos que podem ser facilmente mensurados. Em vez de desenvolverem suas próprias conchas para proteger seus corpos, como caranguejos comuns ou lagostas, eles utilizam conchas vazias deixadas por caramujos mortos.

Enquanto caminham, essas conchas protegem seu abdômen macio. Mas, sempre que são ameaçados, eles se retraem completamente para dentro delas – funcionando como uma espécie de abrigo portátil.

Crédito: Reprodução/ Facebook

Ter uma concha boa o suficiente é fundamental para a sobrevivência, por isso adquirem e melhoram suas conchas conforme crescem. Eles disputam as conchas com outros caranguejos-eremitas e avaliam a adequação de cada uma que encontram.

Em primeiro lugar, procuram conchas que sejam grandes o suficiente para protegê-los, mas também levam em consideração o tipo, condição e até mesmo a cor da concha – que pode afetar a visibilidade do caranguejo.

Outro fator que limita a escolha é a disponibilidade. Por algum motivo ainda desconhecido, uma parte dos caranguejos-eremitas terrestres está preferindo objetos de plástico em vez de conchas naturais.

CRISE HABITACIONAL OU ENGENHOSIDADE?

A pesquisa levanta uma série de questões. Primeiro, qual é a prevalência da adoção de lixo plástico em vez de conchas? Embora 326 caranguejos optando por plástico pareça muito, é provável que esse número esteja subestimado, já que os usuários provavelmente encontraram caranguejos apenas em lugares acessíveis.

Por outro lado, parece haver uma tendência entre as pessoas de compartilhar imagens inusitadas ou incomuns, de modo que a abordagem pode produzir uma impressão exagerada da proporção de indivíduos entre a população de caranguejos-eremitas que opta por plástico em vez de conchas naturais. Precisamos de pesquisas de campo estruturadas para esclarecer essa questão.

Crédito: Reprodução/ Pinterest

Em segundo lugar, por que alguns caranguejos estão optando por plástico? Uma possibilidade é que eles estejam sendo forçados a isso devido à escassez de conchas naturais, mas não podemos testar essa hipótese sem mais informações sobre a demografia das populações locais de caramujos. Ou talvez prefiram o plástico, ou achem mais fácil encontrá-lo em comparação com as conchas reais.

Como apontam os autores, o plástico é mais leve do que conchas do mesmo tamanho e proporcionam a mesma proteção com menor custo de energia para o transporte.

A poluição plástica é a principal forma pela qual estamos mudando os ambientes marinhos.

Isso leva a uma terceira questão: em comparação com as conchas reais, os resíduos plásticos tendem a ser mais brilhantes e podem contrastar mais com o ambiente, tornando-os mais vulneráveis aos predadores.

Além disso, sabemos que a exposição a microplásticos e substâncias que vazam do material pode alterar o comportamento dos caranguejos-eremitas, fazendo com que se tornem menos seletivos em relação às conchas, menos hábeis em disputá-las e até mesmo mudando suas personalidades, tornando-os mais propensos a correr riscos.

A POLUIÇÃO MUDA O COMPORTAMENTO

A poluição plástica é apenas uma das formas pelas quais estamos mudando nosso ambiente. É, de longe, a principal quando se trata de ambientes marinhos. Mas o comportamento dos animais também é afetado por produtos farmacêuticos, luz e ruído, além do aumento das temperaturas e da acidificação dos oceanos causada pela mudança climática.

Grande ilha de lixo do Pacífico (Crédito: Reprodução/ YouTube)

Portanto, embora a pesquisa possa nos ajudar a entender melhor as consequências de certos impactos humanos no meio ambiente, ela não mostra exatamente como os animais se adaptarão ao Antropoceno, a era em que a atividade humana vem causando um impacto significativo no planeta.

Eles responderão a isso com mudanças no comportamento ou evoluirão ao longo das gerações, ou talvez ambos? Na minha opinião, a abordagem iEcologia não consegue responder a perguntas como essa. Mas esse estudo serve de alerta, pois destaca as possíveis mudanças que agora precisam ser investigadas mais a fundo.

Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Mark Briffa é professor de comportamento animal na Universidade de Plymouth. saiba mais