South Summit Brazil demonstra força do ecossistema de inovação do país

Com público de 24 mil pessoas, evento movimenta Porto Alegre, mostra o que é resiliência climática na prática

Crédito: South Summit Brazil

Camila de Lira 6 minutos de leitura

O South Summit Brazil 2025 lotou as calçadas do Cais Mauá, em Porto Alegre. Quase 24 mil pessoas cruzaram o espaço na última semana, participando de palestras, bate-papos, reuniões formais (e informais). Às margens do rio Guaíba, a quarta edição do evento de inovação mostrou, dentro e fora dos palcos, o real significado de resiliência climática. 

Há um ano, o mesmo Cais Mauá estava embaixo de cinco metros de água, tomado pela enchente que devastou o Rio Grande do Sul. A maior tragédia climática do Brasil nos últimos anos, que afetou 2,3 milhões de pessoas e parou o Estado por meses. Agora, ele recebe pessoas para não só planejar a reconstrução, como agir em favor dela.

“O South Summit Brazil 2025 foi a edição mais especial de todas, com certeza. Trouxe a simbologia da resiliência do ecossistema de inovação, e, principalmente, da força de uma comunidade que está engajando pela retomada”, afirma Pedro Valério, CEO do Instituto Caldeira, um hub de inovação arquitetado por 42 empresas e instituições gaúchas, também localizado no Cais Mauá.

O sentimento de “afago na alma” não foi sentido apenas por Valério. Muitos dos que participaram do South Summit Brazil 2025 foram direta e indiretamente afetados pelas enchentes. 

A experiência com o caos climático trouxe praticidade para as discussões sobre sustentabilidade e inovação. No lugar de conversas sobre possíveis invenções tecnológicas que estão para acontecer, o que se viu foram sessões com exemplos e casos aplicados de uso de inteligência artificial, de análise de dados, de planejamento urbano e de formatos de financiamento. 

A futurista, escritora e cofundadora da White Rabbit, Luciana Bazanella, diz que aqueles que viram o caos climático de perto entendem o nível de urgência de agir. "Ser afetado diretamente dá para a resiliência uma outra camada de complexidade”, afirma.

Luciana apresentou o palco The Next Big Thing, que abrigou o destaque da programação: a competição de startups. De mais de duas mil empresas inscritas, 10 chegaram à final, quatro delas brasileiras.

Todas as finalistas lidam com questões ligadas à justiça social e ambiental. Como a umgrauemeio, que usa tecnologia para prevenir incêndios, ou a TerraMares, startup de biotecnologia que pesquisa soluções nas microalgas. 

REPENSANDO AS ESTRUTURAS

A lembrança viva do desastre ambiental não está só nos Cais Mauá ou nas paredes do Instituto Caldeira. Está nas pessoas que fizeram parte do South Summit Brazil 2025. 

Em meio aos palestrantes e participantes, o que se escutava nos corredores eram histórias de maio do ano passado. Teve executiva que liderou resgates, assistente que retirou pessoas de áreas alagadas, fundador de startup que levantou fundos para alimentação, designers que comandaram abrigos provisórios.

“Não podemos deixar esse assunto morrer. Não podemos fingir que as enchentes não aconteceram e cair na positividade tóxica da inovação”, diz Mariana Gutheil, CEO e cofundadora da No One.

enchente em Porto Alegre/ maio de 2024
Cais Mauá tomado pela cheia de maio de 2024

A memória virou ação nos palcos. Empreendedores como Kênia Garcia, presidente da associação de afroeempreendedorismo Odabá, dividiram o processo de liderar pequenos negócios em meio ao caos climático. E também a visão de como reconstruir: escutando aqueles que foram afetados, olhando para aqueles que o mercado costuma deixar de lado. 

“Muitas pessoas contribuíram, fizeram alimentos chegarem em quem precisava. Mas poucos pensaram no depois, sobretudo quando falamos de empreendimentos liderados por negros. Para reerguer a economia, precisamos apoiar os empreendedores negros”, afirma Kênia.

A reconstrução vem pela mudança das estruturas do sistema. Em palestra, a sócia da Aya Earth Partners e CEO do Instituto AYA, Patrícia Ellen, apontou que falar sobre resiliência significa falar sobre transformação. “Precisamos relembrar como é trabalhar em sistemas, ecossistemas. O tempo urge, precisamos mudar rapidamente“, disse.

Estudo feito pelo Instituto Aya indicou que o Brasil poderia adicionar entre US$ 230 a US$ 430 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) até 2030, caso fizesse a transição para a economia de baixa emissão de carbono. 

RESILIÊNCIA EM CONJUNTO

O governo estadual do Rio Grande do Sul lançou o Impacta RS no South Summit Brazil 2025. O programa de apoio e financiamento de negócios é feito em parceria do governo com a Coalizão pelo Impacto, o fundo Retomada e o Banrisul. 

O programa vai disponibilizar linhas de inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que é vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e voltada ao financiamento da ciência e tecnologia no país. A participação deste sistema é mista, com membros tanto da iniciativa privada quanto de universidades e instituições públicas.

South Summit Brasil 2025/ Cais Mauá
Cais Mauá recebe o South Summit Brasil 2025

A união dos setores e de associações deu o tom para o evento. Em um painel que tratava sobre financiamento e resiliência, Vinícius Poit,  CEO do Estímulo, explicou sobre o poder das ações em conjunto de público e privado. O Estímulo organizou o fundo Retomada RS há cinco meses. 

Com participação mista, o fundo é voltado para financiamento de micro e pequenos empreendedores. Desde que foi criado – de forma emergencial -, o Fundo Estímulo Retomada RS chegou a R$ 30 milhões originados dos quase R$ 40 milhões captados. Foram 373 empreendedores financiados.

“Percebemos que não era uma ação emergencial, a retomada do RS ainda está em curso. Muitos empreendedores precisam de ajuda e vão continuar precisando”, lembra Poit. 

Na visão do especialista em inovação e investimento para inovação Paulo Emediato, o South Summit Brazil 2025 provou a força do ecossistema empreendedor brasileiro. 

NOVAS CIDADES

Outro tema levantado no South Summit Brazil 2025 foi o redesenho urbano. Sai da pauta a cidade inteligente e entra a “cidade responsiva”. De acordo com Luciana Fonseca, sócia-fundadora e diretora do Instituto de Cidades Responsivas, o espaço urbano do futuro terá mais rapidez para responder a acontecimentos extraordinários.

A partir do entendimento de dados e de tecnologias como o 5G, que permite dispositivos conectados nas pontas, o novo planejamento urbano não será baseado em planos diretores, mas em ações rápidas, que respondam ao que os cidadãos precisam no momento. 

A experiência com o caos climático trouxe praticidade para as discussões sobre sustentabilidade e inovação.

Essa cidade depende da tecnologia, mas também de outra inovação ancestral: a escuta ativa. Em Porto Alegre, ações como Território Inovadores e POA Inquieta mostram que é preciso entender a cidade antes de transformá-la.

O urbanista e cientista social Cleiton Chiarel, que lidera o movimento POA Inquieta, faz “mapas afetivos” dos bairros que foram atingidos pelas enchentes.

Tais documentos, feitos por meio de entrevistas com moradores e mapeamento do local, ajudam a priorizar ações da prefeitura. Entender qual é a padaria mais visitada do bairro, qual é o ponto de encontro dos adolescentes, qual é a praça preferida… são dados que enriquecem a conexão entre a cidade e as pessoas.

A resiliência do grupo é consequência da confiança entre cada setor participante. Por isso a imagem do Cais Mauá cheio de movimento ganha tanto peso. E a resiliência ganha um rosto.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais