Efeito Japão: o que está provocando nervosismo no mercado financeiro

O que causou essa histeria nos mercados?

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James Surowiecki 5 minutos de leitura

Queda, pânico, tumulto: para as redações e especialistas do Twitter (atual X), a liquidação do mercado de ações que começou na última quinta-feira e se intensificou nesta segunda foi um verdadeiro desastre.

Os investidores também parecem estar em pânico: o índice de volatilidade VIX, conhecido como o “Índice do Medo”, atingiu níveis que só foram vistos neste século em 2008 (quando o sistema financeiro global parecia à beira do colapso) e em 2020 (quando a Covid desestabilizou a economia global).

Observadores do mercado que interpretaram a venda massiva como um sinal de recessão pediram ao Federal Reserve (banco central dos EUA) para convocar uma reunião de emergência para reduzir as taxas de juros em três quartos de ponto percentual.

O que causou essa histeria nos mercados? Para ser sincero, não foi necessário muito. O relatório de emprego nos Estados Unidos de julho foi mais fraco do que o esperado, gerando preocupações de que a economia está desacelerando e que o Federal Reserve (que não reduziu as taxas de juros na última reunião) está atrasado na resposta.

Além disso, alguns relatórios de lucros de grandes empresas, como Amazon, Alphabet e Microsoft, foram um pouco decepcionantes. E a perspectiva de mais turbulência no Oriente Médio talvez tenha deixado os traders nervosos. No entanto, nada disso justificaria o pânico.

Os mercados, claro, têm uma visão voltada para o futuro e é possível que os investidores estejam percebendo turbulências que ainda não aparecem nos números. Mas uma explicação mais plausível para o que aconteceu no início da semana é que foi uma liquidação impulsionada menos por fundamentos econômicos e mais por dinâmicas internas do mercado que ajudaram a provocar um efeito cascata nas vendas.

Nesse sentido, o evento mais importante dos últimos 10 dias foi a decisão do Banco do Japão (BJ), o banco central japonês, de aumentar as taxas de juros, na tentativa de deter a desvalorização do iene. O aumento foi de apenas um quarto de ponto percentual. Mas o BJ indicou que novos aumentos podem estar por vir.

não é função do Federal Reserve intervir toda vez que as coisas ficam um pouco turbulentas para os investidores.

Essa decisão aparentemente pequena teve um grande impacto no mercado global, acelerando a liquidação da chamada operação de carry trade (quando investidores tomam dinheiro emprestado em uma moeda com baixa taxa de juros e o investem em uma moeda com taxa de juros mais alta) do iene.

Nos últimos anos, as taxas de juros japonesas permaneceram extraordinariamente baixas em comparação com o resto do mundo industrializado – antes do aumento, a taxa-alvo do Banco do Japão era entre 0 e 0,1%.

Assim, os fundos de hedge (fundos de investimento que utilizam uma variedade de estratégias sofisticadas para maximizar o retorno e minimizar os riscos) têm emprestado ienes a taxas baixas e usado os recursos para comprar ações nos EUA e em outros lugares.

TOMA LÁ DÁ CÁ

O aumento das taxas de juros do BJ sinalizou que a era do dinheiro barato pode estar chegando ao fim. Isso também amplificou um recente aumento no valor da moeda japonesa, que tornou muito mais caro para os fundos de hedge comprar os ienes necessários para pagar seus empréstimos. E isso levou pelo menos alguns fundos a sair de suas operações de carry trade, levantando dinheiro ao vender ações dos EUA.

Acentuando essas dinâmicas está o fato de que, no mercado atual, há uma grande concentração em estratégias aparentemente bem-sucedidas, como o carry trade, com os fundos de hedge imitando uns aos outros. Então, quando ocorrem eventos que perturbam essas estratégias, muitos investidores tentam sair ao mesmo tempo.

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Isso pode criar um círculo vicioso. Neste caso, por exemplo, conforme o valor do iene aumentava, os fundos de hedge o compravam para cobrir seus empréstimos. Isso fez o preço da moeda japonesa subir, forçando mais fundos a comprá-la, elevando seu preço ainda mais.

Da mesma forma, os fundos de hedge se concentraram em grandes ações de tecnologia. Na semana passada, analistas do Deutsche Bank observaram que a concentração das posições dos fundos de hedge e outros investidores institucionais em ações de crescimento estava no 97º percentil das tendências históricas.

Os fundos de hedge têm pegado emprestado ienes a taxas baixas e usado para comprar ações nos EUA e em outros lugares.

Assim, à medida que esses fundos vendem ativos para levantar dinheiro e desalavancar, as ações de tecnologia são impactadas. Em determinado momento desta segunda-feira, as ações das sete maiores de empresas de tecnologia do mundo, em conjunto, caíram quase 10%.

Isso não significa que a ansiedade em relação ao estado da economia não tenha contribuído para a venda em massa. Mas o fato de o mercado de ações norte-americano ter se recuperado fortemente na terça-feira sugere que as preocupações com a recessão não são a principal razão pela qual os traders estão vendendo, já que a economia não parecia melhor (ou pior) do que no dia anterior.

    Além disso, a ideia de um corte emergencial de taxas não faz sentido agora. O mercado de ações dos EUA teve um crescimento relativamente suave por quase dois anos consecutivos. E não é função do Federal Reserve intervir toda vez que as coisas ficam um pouco turbulentas para os investidores.

    O banco central norte-americano deve (e quase certamente vai) cortar as taxas no próximo mês. Mas deve fazer isso porque é o que os dados econômicos indicam, não porque alguns gerentes de fundos de hedge foram pegos no lado errado de uma negociação.


    SOBRE O AUTOR

    James Surowiecki é jornalista e escritor, autor de "A Sabedoria das Multidões". saiba mais