Por que não devemos confiar cegamente no que os números nos dizem

Pessoas não são números e a vida não é um conjunto de dados a ser otimizado. Nem tudo cabe em uma planilha

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Tim Mueller 2 minutos de leitura

É uma manhã como outra qualquer. Você acorda achando que teve uma boa noite de sono. Mas, ao conferir seu smartwatch, a realidade é outra: a pontuação do sono mostra desempenho ruim em todas as fases. O que parecia uma noite tranquila vira estatística decepcionante.

O mês também foi puxado no trabalho. Todas as entregas feitas no prazo, elogios dos chefes, boa convivência com os colegas. Mas ao checar a conta bancária, o saldo não reflete esse esforço. A frustração é inevitável. A solução parece ser continuar trabalhando duro e torcer por dias melhores.

Essas situações mostram como os números moldam nossa percepção da realidade – muitas vezes para pior. Eles têm o poder de transformar satisfação em angústia num instante. Mas também podem maquiar a verdade: uma noite de sono ruim pode parecer boa nos gráficos, e um desempenho profissional mediano pode ser premiado, desde que o discurso corporativo esteja afinado.

A verdade é que os seres humanos são atraídos por abstrações – e os números são a linguagem universal. Medimos o tempo, fazemos transações, conduzimos experimentos e escrevemos códigos com base neles. Mas essa busca por mensurar tudo pode nos levar a esquecer o que realmente importa.

O ex-reitor de admissões das universidades de Princeton e Stanford Fred Hargadon, resumiu bem: “como não conseguimos medir o que mais importa, damos mais importância ao que conseguimos medir.” A frase se reflete em nossa obsessão por índices e rankings, como os do mercado financeiro.

A LÓGICA DOS DADOS APLICADA À VIDA REAL

O problema começa quando aplicamos a lógica dos dados a experiências humanas complexas. Avaliamos a confiabilidade financeira de uma pessoa com um número que, no Canadá, vai de 300 a 900. Quanto maior, mais “digna” ela é considerada para obter crédito.

O mesmo vale para países. O índice de Gini resume a desigualdade econômica em um número de 0 a 1. O Relatório Mundial da Felicidade atribui notas de 0 a 10 à qualidade de vida das nações. Em 2025, a Finlândia ficou no topo pela oitava vez. Mas isso significa que não há finlandeses infelizes? Claro que não.

Fica ainda mais complicado quando exigimos que organizações que priorizam pessoas e o meio ambiente provem seu impacto com números – como se tudo pudesse ser mensurado.

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A luta contra as mudanças climáticas é um exemplo. Se julgarmos o sucesso apenas por metas como zerar emissões até 2050, perdemos as histórias reais de esforço, inovação e resiliência ao longo do caminho.

Há ainda o lado mais sombrio da lógica dos dados e da quantificação: quando ela desumaniza. Trocar nomes por números em presídios, ou reduzir vítimas de guerra a estatísticas, apaga identidades e banaliza vidas.

É preciso lembrar: pessoas não são números e a vida não é um conjunto de dados a ser otimizado. Nem tudo cabe em uma planilha. Às vezes, o que precisamos é ouvir histórias completas. Porque, quando tudo vira métrica, corremos o risco de transformar a experiência humana em mera abstração.

Estudos mostram que informações qualitativas, como uma boa história, permanecem por mais tempo na memória do que estatísticas. Números têm impacto imediato, mas são efêmeros. Já uma narrativa bem contada pode ecoar por muito tempo.


SOBRE O AUTOR

Tim Mueller é fundador e diretor da consultoria de recursos humanos Chester & Fourth. saiba mais