Trump quer explorar os recursos da Groenlândia. É mais caro e perigoso do que parece

A insistência do presidente dos EUA em anexar a ilha para explorar recursos ignora os desafios climáticos

Créditos: Visit Greenland/ Unsplash/ Pngtree

Paul Bierman 5 minutos de leitura

Desde que Donald Trump reassumiu a presidência, ele tem se mostrado interessado em explorar os recursos da Groenlândia. O presidente defende que os Estados Unidos devem assumir o controle da ilha, que atualmente é um território autônomo da Dinamarca.

Recentemente, durante uma audiência no Congresso norte-americano, senadores e especialistas discutiram os recursos estratégicos da região, como combustíveis fósseis, energia hidrelétrica e minerais essenciais. No entanto, ninguém mencionou os riscos envolvidos nessa exploração, muitos dos quais são agravados pelas mudanças climáticas causadas pelo homem.

Essa omissão é preocupante, pois o Ártico é a região do planeta onde as temperaturas estão subindo mais rapidamente. Esse aquecimento acelerado torna ainda mais arriscado viver, trabalhar e extrair recursos na Groenlândia – e não podemos esquecer dos impactos para o resto do mundo.

Sou geocientista e estudo a história ambiental da região e sua camada de gelo, analisando os riscos naturais e os efeitos das mudanças climáticas. Esse conhecimento é essencial para entender os desafios que as operações militares e de extração de recursos enfrentam na ilha, tanto agora quanto no futuro.

A paisagem costeira da Groenlândia é altamente instável e sujeita a deslizamentos de rochas. O problema é ainda maior porque é justamente nessa área que as populações locais vivem e onde as formações rochosas não estão cobertas pelo gelo.

Em algumas regiões, essas rochas contêm minerais valiosos, como ouro e metais raros usados na fabricação de eletrônicos, placas de circuito e baterias de veículos elétricos.

Os deslizamentos ocorrem porque, no passado, a camada de gelo da Groenlândia era muito maior e exercia forte pressão sobre o solo. Agora que esse gelo derreteu, as paredes dos vales, antes sustentadas, não têm mais suporte e acabam colapsando.

Deslizamento provocado pelo derretimento do permafrost no oeste da Groenlândia
Deslizamento provocado pelo derretimento do permafrost no oeste da Groenlândia (Crédito: Kristian Svennevig/ GEUS)

As falésias ao redor da ilha já apresentam marcas de deslizamentos anteriores. Em 2023, um deslizamento gerou um tsunami que ficou se propagando por um fiorde (vale rochoso inundado pelo mar) da região durante nove dias.

A ilha não tem uma rede de estradas pavimentadas que conecte seu território. A única forma viável de transportar equipamentos pesados, minérios, combustíveis fósseis e demais recurso da Groenlândia é pelo mar. Mas portos, minas e construções perto do nível do mar podem ser atingidos por tsunamis causados por deslizamentos.

O DERRETIMENTO DO GELO TRAZ RISCOS E CUSTOS

O aquecimento global está acelerando o derretimento da camada de gelo da ilha, o que ameaça sua infraestrutura e afeta a vida das populações locais. Enchentes causadas pelo derretimento das geleiras recentemente destruíram pontes que estavam há mais de 50 anos em operação.

Além disso, o derretimento do permafrost – camada de solo e rocha permanentemente congelada – está desestabilizando a superfície, tornando as encostas mais propensas a deslizamentos e comprometendo estruturas importantes.

Esse fenômeno já está afetando a base militar dos Estados Unidos na ilha. O solo, instável por causa do derretimento, tem causado rachaduras e buracos nas pistas de pouso, o que representa um risco para os aviões. As construções também podem começar a se inclinar, conforme suas fundações cedem.

Outro problema sério são os icebergs, que ameaçam plataformas de petróleo. Com o aumento das temperaturas, as geleiras se movem mais rápido e soltam mais icebergs no oceano.

Esse problema é ainda maior perto da Groenlândia, mas alguns desses enormes blocos de gelo acabam chegando até o Canadá, colocando em risco plataformas de petróleo. Para evitar acidentes, navios são posicionados para rebocar icebergs que possam representar uma ameaça.

bloco se solta de uma geleira na Groenlândia e provoca ondas no mar
Bloco se solta de uma geleira na Groenlândia e provoca ondas no mar (Crédito: Ashley Cooper/ Getty Images)

Em 2021, o governo da Groenlândia proibiu a exploração de combustíveis fósseis devido a preocupações ambientais. No entanto, Trump e seus aliados continuam pressionando para que as perfurações sejam retomadas, ignorando os custos altíssimos, os resultados pouco promissores dos primeiros testes e o perigo constante dos icebergs.

Outro efeito do derretimento do gelo é a elevação do nível do mar – mas não da forma que normalmente pensamos. Longe da Groenlândia, o nível do mar sobe cerca de 2,5 centímetros a cada seis anos. Mas nas proximidades da ilha, é a terra que está se elevando.

Isso ocorre porque, sem o peso da camada de gelo, a crosta terrestre começa a se expandir novamente. Esse processo é rápido – mais de 1,80 metro por século –, o que pode fazer com que, em breve, muitos portos da ilha fiquem rasos demais para a navegação.

OS RECURSOS DA GROENLÂNDIA E O FUTURO DA ILHA

Em termos de preservação planetária, o maior valor estratégico da Groenlândia não está em sua localização ou nos recursos minerais, mas sim no seu gelo. A neve e o gelo refletem a luz do sol, ajudando a manter a Terra mais fria.

Além disso, a camada de gelo atua como uma barreira que impede grandes volumes de água de entrar no oceano. Se todo esse gelo derreter, o nível do mar pode subir até sete metros.

Fonte: NOAA

O aumento do nível do mar já está afetando regiões costeiras por todo o mundo. Os danos causados podem chegar a trilhões de dólares nos próximos anos.

Se a camada de gelo continuar derretendo, veremos a maior migração humana da história. Esse fenômeno pode desestabilizar a economia global e o equilíbrio geopolítico. Ignorar os riscos naturais e os efeitos das mudanças climáticas na Groenlândia é um erro que pode ter consequências devastadoras, tanto localmente quanto para o resto do planeta.

Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Paul Bierman é membro do Instituto Gund para o Meio Ambiente e professor de recursos naturais e ciência ambiental na Universidade de V... saiba mais