Afinal, remédios para emagrecer causam depressão ou ajudam a tratá-la?

Há evidências contraditórias sobre como medicamentos como Ozempic e Wegovy afetam a saúde mental

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Sy Mukherjee 4 minutos de leitura

Esse é um dilema que pode ser resumido por duas manchetes: "Wegovy leva à perda de peso. Será que este remédio também pode tratar a depressão?" E: "Wegovy e outros medicamentos para perda de peso são inspecionados devido a relatos de ideações suicidas".

Qual será a verdade, então? Esses medicamentos campeões de vendas para diabetes e perda de peso trazem sérios riscos à saúde mental? Ou será que eles podem, de fato, ser tratamentos eficazes para depressão, transtorno bipolar, mal de Alzheimer e outras condições neurológicas? 

Ainda é muito cedo para chegar a uma resposta definitiva, mas as pesquisas em andamento mostram alguns sinais iniciais de que esses tratamentos – que fazem parte de uma classe de medicamentos chamada GLP-1 – podem ser eficazes não apenas para reduzir a gordura e proteger o coração. Eles também podem ajudar a melhorar o cérebro.

O Wegovy e o Ozempic, ambos vendidos pela gigante farmacêutica Novo Nordisk, contêm o mesmo ingrediente ativo, o semaglutide.

Esses tratamentos foram originalmente desenvolvidos para tratar o diabetes tipo 2, antes que as evidências demonstrassem benefícios de longo prazo, como perda de peso significativa em pacientes obesos e redução do risco de ataques cardíacos e de mortes relacionadas a doenças cardiovasculares.

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Se você seguir as pistas biológicas, perceberá que essas condições estão interligadas. Por exemplo, os pacientes obesos geralmente também têm diabetes e um risco significativamente maior de pressão alta, ataques cardíacos e derrames. São distúrbios metabólicos – enfermidades que têm sua origem na forma como o corpo canaliza e produz energia a partir dos alimentos ingeridos. 

Não é de se espantar que uma função tão básica do corpo – o meio direto de criar e usar adequadamente a energia – tenha consequências que afetam todo o resto, desde o coração até o cérebro.

E é aí que está a chave do motivo pelo qual medicamentos como o Wegovy podem ter implicações no tratamento de doenças neurológicas, além de suas conexões aparentemente mais óbvias entre outros males.

Relatos anteriores de que os GLP-1s, como o Wegovy, podem acarretar risco de depressão e de pensamentos suicidas foram baseados em relatos e histórias de um pequeno subconjunto de pacientes (265 no total) que foram submetidos a esse tipo de tratamento desde 2010 – mais precisamente, em outubro de 2023, de acordo com os relatórios de eventos adversos coletados pela FDA (agência norte-americana responsável pelo controle de alimentos e medicamentos). 

Essa coleta de dados é importante para a segurança do paciente. Mas, considerando o escopo das condições cardiovasculares e neurológicas, como doenças cardíacas, diabetes, derrame e Alzheimer, esses eventos adversos são extraordinariamente raros, com base nos dados coletados até o momento.

Um estudo muito mais amplo, feito com um milhão de prontuários de saúde, apoiado pelo National Institutes of Health e publicado na revista "Nature Medicine" em janeiro, chegou a uma conclusão muito diferente – na verdade, diretamente oposta – sobre os possíveis efeitos dos medicamentos da classe GLP-1 (como o semglutide) sobre a saúde mental e a depressão.

Esses tratamentos foram desenvolvidos para tratar o diabetes tipo 2, mas evidências demonstraram benefícios como a perda de peso em pacientes obesos.

"Nossas análises não corroboram as preocupações com o aumento do risco de ideação suicida com o semaglutide. Ao contrário, elas mostram uma associação de menor risco do semaglutide com ideação suicida incidente e recorrente em comparação com medicamentos antiobesidade e antidiabetes não agonistas do GLP1R", escreveram os autores do estudo.

É importante observar que esses estudos não são ensaios clínicos. Eles se baseiam em evidências do mundo real e em dados de saúde disponíveis. 

"A Novo Nordisk está estudando o semaglutide em uma variedade de doenças, incluindo a esteatohepatite associada à disfunção metabólica (MASH) e a doença de Alzheimer. No entanto, a Novo Nordisk não está realizando atualmente nenhum ensaio clínico com foco na relação entre semaglutide e depressão", declarou a farmacêutica à Fast Company em um comunicado.

Mas, assim como ficou demonstrado que os GLP que combatem o diabetes têm efeitos sobre a perda de peso e o risco de ataque cardíaco, as pesquisas iniciais sugerem que eles também podem ter benefícios neurológicos a longo prazo, inclusive no alívio da depressão, devido às complexas conexões de todo o corpo relacionadas à forma como metabolizamos os alimentos e energizamos nossas células.

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"Pessoas com depressão e/ ou ansiedade geralmente apresentam um perfil de sintomas que influencia o apetite, a energia e a motivação. Como resultado, a apresentação do transtorno depressivo maior é frequentemente consistente com um fenótipo que aumenta a vulnerabilidade ao ganho de peso", escreveram pesquisadores da Universidade de Calgary em um estudo de 2021.

Ainda há muitas incógnitas biológicas em torno de como o metabolismo afeta certos tipos de função cerebral, e há muitas teorias sobre por que os GLP-1s, especificamente, podem se mostrar tratamentos eficazes para a saúde mental. 

A prova cabal dependerá de ensaios clínicos randomizados em grande escala. Mas a pesquisa preliminar sugere que a história do potencial dos GLP-1s para transformar a saúde pública está só começando.


SOBRE O AUTOR

Sy Mukherjee é consultor e arquiteto de comunicação na IDEA Pharma. saiba mais