Uma nova forma de fazer os alimentos durarem mais tempo: com IA

A tecnologia pode ajudar os cientistas a desenvolver novas formas de preservar os alimentos, encontrando melhores combinações de antioxidantes

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Carlos D. García 4 minutos de leitura

Já aconteceu de você morder uma noz ou uma barra de chocolate, esperando um sabor rico e suave, apenas para ser surpreendido por um gosto inesperadamente desagradável e azedo? Esse sabor é resultado da rancidez (ou ranço), que afeta praticamente todos os produtos na nossa despensa. No entanto, a inteligência artificial pode ajudar os cientistas a lidar com esse problema de maneira mais precisa e eficiente.

Somos um grupo de químicos que estuda formas de prolongar a vida útil dos alimentos. Recentemente, publicamos um estudo descrevendo os benefícios do uso de ferramentas de IA para manter amostras de óleo e gordura frescas por mais tempo.

Por serem componentes comuns em diversos tipos de alimentos, como batatas fritas, chocolate e nozes, os resultados do estudo podem ser amplamente aplicados, até mesmo em outras áreas, como na indústria farmacêutica e de cosméticos.

RANCIDEZ E ANTIOXIDANTES

Os alimentos ficam rançosos quando são expostos ao ar por um tempo, em um processo chamado oxidação. Muitos ingredientes comuns, em especial lipídios (que são gordura e óleos), reagem com o oxigênio. A presença de calor ou luz ultravioleta pode acelerar esse processo.

A oxidação leva à formação de moléculas menores, como cetonas, aldeídos e ácidos graxos, que conferem aos alimentos um odor característico, forte e metálico.

Felizmente, tanto a natureza quanto a indústria alimentícia contam com uma defesa poderosa contra o ranço: os antioxidantes, que incluem uma ampla gama de moléculas naturais – como a vitamina C – e sintéticas, capazes de proteger os alimentos da oxidação.

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Embora atuem de diversas formas, de modo geral essas substâncias neutralizam muitos dos processos que causam a rancidez e preservam o sabor e o valor nutricional dos alimentos por mais tempo.

Mas não basta salpicar um pouco de vitamina C para conseguir o efeito conservante. Os pesquisadores precisam selecionar cuidadosamente um conjunto específico de antioxidantes e calcular com precisão a quantidade de cada um.

os antioxidantes, que incluem uma ampla gama de moléculas naturais e sintéticas, são capazes de proteger os alimentos da oxidação.

A combinação dessas substâncias nem sempre aumenta seu efeito. Na verdade, existem casos em que o uso de antioxidantes errados, ou a mistura em proporções inadequadas, pode reduzir sua proteção, um fenômeno chamado de antagonismo. 

Descobrir quais combinações funcionam para quais tipos de alimentos exige muitos experimentos, que consomem tempo, demandam uma equipe especializada e aumentam o custo geral dos produtos.

Como resultado, os pesquisadores ficam presos a algumas combinações que fornecem apenas um certo nível de proteção. É aqui que a IA entra em jogo.

O PAPEL DA IA

A inteligência artificial pode processar grandes conjuntos de dados, identificar padrões e gerar resultados úteis. Como químicos, decidimos ensinar uma ferramenta de IA a procurar novas combinações. Para isso, selecionamos um tipo de inteligência artificial capaz de trabalhar com códigos escritos que descrevem a estrutura química de cada antioxidante.

Primeiro, introduzimos no sistema uma lista com cerca de um milhão de reações químicas e ensinamos o programa conceitos básicos, como a identificação de características importantes das moléculas.

Um grupo de químicos que estuda formas de prolongar a vida útil dos alimentos descobriu como usar IA para manter amostras de óleo e gordura frescas por mais tempo.

Uma vez que o modelo conseguiu reconhecer padrões químicos gerais, como a interação entre determinadas moléculas, refinamos seu conhecimento, ensinando conceitos de química avançada. Para esta etapa, nossa equipe utilizou um banco de dados contendo quase 1,1 mil misturas documentadas na literatura de pesquisa.

A partir desse ponto, a IA já foi capaz de prever o efeito da combinação de dois ou três antioxidantes em menos de um segundo, com cerca de 90% de precisão em relação aos resultados descritos na literatura.

Mas essas previsões nem sempre correspondiam exatamente aos experimentos realizados pela nossa equipe. Na prática, constatamos que nossa IA só conseguia prever corretamente alguns dos experimentos de oxidação feitos com gordura real, o que demonstra as complexidades de transferir resultados do computador para o laboratório.

APERFEIÇOAMENTO E MELHORIAS

A boa notícia é que os modelos de IA não são ferramentas estáticas com caminhos predefinidos. Eles aprendem de forma dinâmica. Portanto, nossa equipe pode continuar fornecendo novos dados ao modelo até que ele aprimore suas habilidades de previsão e possa prever com precisão o efeito de cada combinação de antioxidantes.

Descobrimos que, ao incluir cerca de 200 exemplos de testes em laboratório, a IA aprendeu o suficiente para prever os resultados dos experimentos realizados pela nossa equipe, com apenas uma pequena diferença entre as previsões e os resultados reais.

Um modelo como o nosso pode ajudar os cientistas a desenvolver novas formas de preservar os alimentos, encontrando melhores combinações de antioxidantes para os alimentos específicos com os quais estão trabalhando.

O projeto está agora explorando métodos mais eficazes para treinar o modelo de IA e procurando maneiras de aprimorar ainda mais suas habilidades de previsão.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Carlos D. Garcia é professor de química e Lucas de Brito Ayres é doutorando, ambos na Universidade Clemson. saiba mais