Quem lucra com a guerra às drogas?
A solução para os problemas causados pela guerra às drogas passa pelo investimento em políticas sociais que combatam a pobreza e a desigualdade
Só em 2024, o Conjunto de Favelas da Maré já passou por 19 operações policiais, entre janeiro e meados de julho. A cada uma destas operações, milhares de moradores veem equipamentos de saúde e educação serem fechados. Veem também seu direito de ir e vir ser cerceado. E suas rotinas serem bruscamente alteradas.
Começo falando da Maré pois é o território onde vivo. Um conjunto de 16 favelas, com cerca de 140 mil moradores, que historicamente sofre com violações de direitos, assim como diversas outras favelas, quebradas e áreas periferizadas pelo Brasil. Uma das justificativas dadas pelo Estado para esta sequência de violações é a guerra às drogas.
Indo para outro território, bem distante do meu, a dita guerra às drogas foi formalmente declarada pelo presidente Richard Nixon em 1971, quando ele afirmou que elas eram o "inimigo público número um" dos Estados Unidos.
A partir desse momento, a abordagem predominante passou a ser a repressão e o encarceramento em massa, com a criminalização do uso e do comércio de substâncias consideradas ilícitas. Essa política rapidamente se espalhou pelo mundo, influenciando a forma como muitos países, incluindo o Brasil, tratam a relação com as drogas, o varejo e as favelas.
No início do século 20, enquanto os Estados Unidos iniciavam suas restrições às substâncias psicoativas, o Brasil vivia um período de profunda convulsão social. A disparidade entre classes era gritante, com a massa da população, majoritariamente negra, submetida a condições de trabalho e vida desumanas.
Em meio a esse cenário de desigualdade e repressão, o proibicionismo surgiu como uma ferramenta de controle social. As elites e o governo viram na criminalização das drogas uma oportunidade para conter o descontentamento popular e manter o status quo.
Essa lógica repressora se intensificou durante a ditadura militar, quando as políticas antidrogas se tornaram ainda mais cruéis e violentas. A "guerra às drogas" declarada tinha como alvo principal as populações marginalizadas, especialmente jovens negros e pobres das periferias.
Décadas após o fim da ditadura, os efeitos dessa guerra cruel são devastadores. O Brasil se tornou o terceiro país com a maior população carcerária do mundo, impulsionado pelo encarceramento em massa de pessoas por crimes relacionados a drogas. A violência policial se intensificou, dizimando vidas e perpetuando o ciclo de exclusão social.
A Lei de Drogas de 2006, em vez de trazer mudanças positivas, apenas reforçou o proibicionismo e seus efeitos danosos. O número de presos por tráfico aumentou exponencialmente (339%), demonstrando a ineficácia e o caráter cruel da guerra às drogas.
Esta política traz efeitos nefastos no campo da saúde pública, do desenvolvimento territorial e social e da segurança pública. Além de impactar diretamente os cofres públicos com o emprego de dinheiro público em uma guerra que vitima justamente aqueles que deveriam, de alguma forma, ser “cuidados” pelo Estado.
Uma abordagem alternativa à guerra às drogas é a implementação de políticas de redução de danos.
A estigmatização associada ao uso de drogas dificulta a implementação de políticas de saúde pública eficazes. Usuários de drogas são frequentemente tratados como criminosos, em vez de receberem acompanhamento e tratamento dignos. Essa abordagem impede que muitas pessoas busquem ajuda.
Além disso, a falta de programas de redução de danos e de tratamento para pessoas em situação de uso abusivo de substâncias químicas perpetua a marginalização e a vulnerabilidade desses indivíduos.
No ano passado, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, defendeu publicamente a internação compulsória de pessoas usuárias de crack, em uma manifestação contemporânea e atualizada da perspectiva criminalizadora e excludente que parcela da população tem com relação às drogas e a quem faz uso delas.
SOLUÇÕES ALTERNATIVAS
Os custos econômicos da guerra às drogas são enormes. A alocação de recursos para a repressão policial, o sistema judiciário e o encarceramento em massa desvia fundos que poderiam ser investidos em programas de prevenção, tratamento e reintegração social.
Segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a “guerra às drogas" custa R$ 15 bilhões por ano em recursos públicos. Só no Rio de Janeiro e em São Paulo, os gastos anuais chegam na casa dos R$ 5,2 bilhões anuais, segundo dados do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Assim, o projeto “Drogas, quanto custa proibir” é pioneiro neste debate.
Em um Brasil marcado por desigualdades e desafios sociais, o projeto mergulha nos impactos da política proibicionista no orçamento público, lançando luz sobre os custos dessa guerra sem fim.
O projeto não se limita a apresentar dados e estatísticas. Sua missão é gerar análises que alimentem o debate público e contribuam para a construção de novas políticas de drogas, segurança pública, equidade racial e justiça social no Brasil.
Porém, vocês podem estar se (ou me) perguntando qual é a solução. É importante destacar que não há receita pronta. Não há solução simples. Mas entrar em favela com veículos blindados, interrompendo a rotina e a vida de milhares de pessoas, não é uma resolução razoável.
Uma abordagem alternativa à guerra às drogas é a implementação de políticas de redução de danos, que visam minimizar os efeitos negativos do uso de drogas sem necessariamente eliminá-lo.
A estigmatização associada ao uso de drogas dificulta a implementação de políticas de saúde pública eficazes.
Programas de troca de seringas, salas de consumo supervisionado e acesso a tratamento para dependência são exemplos de medidas que têm mostrado resultados positivos em vários países. Essas políticas reconhecem o direito à saúde e à dignidade dos usuários de drogas, promovendo a inclusão social e a redução da criminalidade.
A descriminalização do uso de drogas e a legalização de certas substâncias são alternativas que têm ganhado apoio crescente. Países como Alemanha, Canadá e Uruguai adotaram políticas de descriminalização e regulamentação do mercado de drogas, com resultados positivos na redução do consumo problemático e na diminuição da violência associada ao tráfico.
Essas abordagens permitem uma melhor gestão dos recursos públicos e a implementação de políticas de saúde e segurança mais eficazes e menos violentas.
Além disso, a solução para os problemas causados pela guerra às drogas passa necessariamente pelo investimento em políticas sociais que combatam a pobreza e a desigualdade.
O fortalecimento do tecido social e a promoção de oportunidades de desenvolvimento são fundamentais para quebrar o ciclo de violências e exclusões deixado pelo Estado (ou por sua ausência) em muitas favelas e periferias do Brasil.