Até o canal do Panamá está sofrendo os impactos da mudança climática
Em épocas de seca, como entre 2023 e 2024, a falta de água pode gerar tensões e disputas

O canal do Panamá é uma das rotas comerciais mais importantes do planeta, com cerca de 7% do comércio global passando por ele. Mas seu funcionamento depende da água da chuva.
Sem volume suficiente, as eclusas não conseguem fazer subir ou descer os navios que cruzam entre o Atlântico e o Pacífico. Em períodos de estiagem, menos embarcações conseguem atravessar o canal por di – o que afeta não só a economia do Panamá, mas também as cadeias comerciais em várias partes do mundo.
Mas essa mesma água também é essencial para outras necessidades do país: abastece cerca de dois milhões de panamenhos, além de atender comunidades indígenas, agricultores da região da bacia hidrográfica e a geração de energia hidrelétrica. Em épocas de seca, como entre 2023 e 2024, a escassez aumenta os conflitos pelo uso da água.
Um dos pontos de maior tensão gira em torno de uma nova represa que a Autoridade do Canal do Panamá pretende construir a partir de 2027.
O projeto busca garantir o abastecimento necessário para manter o canal – que representa cerca de 4,2% do PIB do país – operando no longo prazo. Mas a obra prevê o alagamento de áreas agrícolas e a remoção de mais de duas mil pessoas de suas casas.
E o problema não deve parar por aí. Com o agravamento das mudanças climáticas, o país deve enfrentar períodos extremos com mais frequência – tanto secas prolongadas quanto chuvas intensas.
Isso vai forçar o Panamá a tomar decisões cada vez mais difíceis sobre como equilibrar o fornecimento de água entre as necessidades da população e o funcionamento do canal.
AMEAÇAS À SEGURANÇA HÍDRICA
O clima úmido do Panamá é fortemente influenciado pela proximidade com o Equador, pelos ventos alísios e pelos oceanos ao redor. A maior parte das chuvas acontece entre maio e novembro, durante a estação úmida. Mesmo assim, os dados históricos mostram uma queda nas médias de precipitação desde a década de 1950.
Nos anos mais secos, o nível do lago Gatún, principal reservatório do canal, atingiu níveis críticos – foi assim em 1998, 2016 e, mais recentemente, entre 2023 e 2024. Fenômenos como o El Niño costumam agravar a situação, provocando chuvas ainda mais escassas.

Em dezembro de 2023, por exemplo, a Autoridade do Canal precisou limitar o número de travessias diárias para 22 – bem abaixo da média normal de 36 a 38.
Para evitar prejuízos financeiros ainda maiores, a Autoridade aumentou os preços e passou a leiloar os horários de passagem para os lances mais altos. Sem essas medidas, as perdas mensais poderiam chegar a US$ 100 milhões.
Além do canal, os ecossistemas da região também dependem de um volume mínimo de água. Na ilha Barro Colorado, localizada no lago Gatún, já foram observadas mudanças na composição das árvores em resposta ao aumento da temperatura e à frequência das secas.
As chuvas, por sua vez, vêm se tornando mais irregulares, e o excesso de água também traz riscos. Em dezembro de 2010, a maior tempestade já registrada na região causou deslizamentos de terra, prejuízos de US$ 150 milhões e chegou a paralisar temporariamente as operações do canal.
COMO MANTER O CANAL E CUIDAR DA POPULAÇÃO
Algumas medidas emergenciais para economizar água já foram adotadas. O canal reduziu o tamanho de algumas câmaras das eclusas para poupar água no trânsito de embarcações menores e restringiu manobras de troca de direção.
Em janeiro de 2025, foi aprovado um projeto para a construção de uma nova represa no rio Índio, com o objetivo de aumentar a reserva de água nos períodos mais secos. A obra pode ajudar a manter o funcionamento do canal no futuro.
Mas, ao mesmo tempo, a construção reforça os conflitos em torno do uso da água. Quando o reservatório estiver cheio, mais de 1,2 mil casas serão submersas. Além disso, diversas comunidades perderão o acesso às terras e rotas que utilizam no dia a dia.

A Autoridade do Canal afirma que todos serão realocados, mas os moradores da região temem perder seus meios de subsistência e suas comunidades – que, em muitos casos, existem há gerações.
Enquanto isso, o governo investe em campanhas para incentivar o uso consciente da água. O país também conta com um Programa de Incentivos Econômicos Ambientais, voltado à conservação de florestas e à promoção da agricultura familiar sustentável – tudo para proteger os recursos hídricos da região.
O canal do Panamá é uma peça-chave do comércio internacional. Mas está cada vez mais vulnerável aos impactos da escassez hídrica. Para seguir operando de forma sustentável, o país vai precisar apostar em soluções inovadoras, que levem em conta tanto os limites ambientais quanto as necessidades da população.
Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.