Por que a exigência de volta ao trabalho presencial cheira a hipocrisia
Da Amazon à Starbucks: um professor de administração explica como os líderes deveriam lidar com os conflitos relacionados ao trabalho remoto
Quatro anos após a introdução da vacina contra a Covid-19, estamos testemunhando uma disputa de poder que parece ter chegado a um impasse. Depois do que pode vir a ser um breve intervalo híbrido, os CEOs estão firmemente alinhados a favor da exigência de retorno ao escritório (RTO, na sigla em inglês).
Em uma medida que chamou a atenção – e que alguns acreditam ter sinalizado o fim do trabalho remoto –, o CEO da Amazon, Andy Jassy, decretou recentemente que todos devem retornar ao escritório cinco dias por semana a partir de janeiro. A resposta dos funcionários – cerca de três quartos pensam em deixar a empresa – sugere que esse “fim" pode ser um exagero.
Mas como as disputas em torno do trabalho remoto podem ser resolvidas sem perda de capital humano? Para responder a essa pergunta, precisamos nos aprofundar nos motivos da reação negativa ao retorno ao trabalho presencial. A questão não é tão simples quanto parece.
Embora a maioria esmagadora dos profissionais de colarinho branco diga que deseja trabalhar remotamente, pelo menos em tempo parcial, a falta de socialização com os colegas e a crescente dependência das ferramentas digitais causaram um impacto emocional na força de trabalho que é difícil de ignorar.
De acordo com a pesquisa que realizei em coautoria com Jessica Methot e Emily Rosado-Solomon, os trabalhadores remotos estão sentindo uma certa saudade de como as coisas costumavam ser, mesmo gostando da conveniência de um estilo de vida sem deslocamento. Em resposta a isso, muitos estão se isolando ainda mais, suportando o desconforto emocional que acompanha esse saudosismo.
É verdade que as pessoas não estão se agarrando ao presencial como uma tábua de salvação emocional. Em parte, isso pode ter a ver com as formas pouco democráticas com que as ordens de retorno foram implementadas.
Muita gente está indignada com a hipocrisia descarada que faz com que os escritórios dos executivos que ganham altos salários fiquem ocupados por menos tempo do que os cubículos dos trabalhadores comuns. O exemplo mais gritante talvez seja o acordo do recém-empossado CEO da Starbucks, Brian Niccol.
Empresas indiferentes do ponto de vista das relações humanas provocam desinteresse e ressentimento entre os funcionários.
Além de um bônus de assinatura de US$ 10 milhões e uma “bolsa de substituição” de ações no valor de pelo menos US$ 75 milhões, a Starbucks deu a Niccol permissão para se deslocar da sua casa em Newport Beach, na Califórnia, para a sede da empresa, em Seattle, três dias por semana em um jato particular.
Embora esse privilégio extraordinário signifique que Niccol estará tecnicamente em conformidade com a política de trabalho híbrido da Starbucks, ele aponta para uma enorme lacuna em termos de acomodação e privilégio que poderia, com razão, causar descontentamento.
Se os chefes estão tentando conquistar a compreensão, a hipocrisia não ajuda. E as pesquisas apontam que a sensação de injustiça pode alimentar comportamentos de trabalho contraproducentes, como desleixo, roubo e planos para se demitir.
INDIFERENÇA NO TRABALHO
No entanto, minha pesquisa mostra que a história é muito mais complexa do que se costuma contar. De fato, é possível que os líderes não se importem se suas decisões são injustas ou hipócritas.
A maioria das culturas corporativas é caracterizada pelo que chamamos de “indiferença relacional”. Os principais líderes falam da boca para fora sobre a importância de relacionamentos positivos e produtivos entre os funcionários, mas essa suposta preocupação não afeta a forma como eles decidem gastar seu recurso mais precioso: sua atenção.
Palavras são uma coisa, mas se elas não forem respaldadas por normas corporativas explícitas, por expectativas e por incentivos que são monitorados conscientemente, a mensagem que chega em alto e bom som é que nada disso realmente importa.
Empresas indiferentes do ponto de vista das relações humanas provocam desinteresse e ressentimento entre os funcionários. Em vez de estruturas formais, eles formam "panelinhas", com os protegidos “dentro” e os insatisfeitos “fora”.
Isso acontece com é frequência nas organizações onde as regras não ditas é que valem no dia a dia. A era híbrida tem sido repleta dessa informalidade tóxica.
COMO RESOLVER A QUESTÃO DO HOME OFFICE
Como isso se relaciona com as disputas sobre o trabalho remoto? Os CEOs sempre citam a importância da colaboração presencial como o principal motivo para trazer os funcionários de volta ao escritório.
Jassy, da Amazon, explicou sua ordem de retorno às atividades presenciais como uma tentativa de “abordar a questão de estarmos mais bem preparados para criar, colaborar e estar conectados o suficiente uns aos outros e à nossa cultura para oferecer o melhor para nossos clientes e para a empresa”. Muitos especialistas não acreditam muito nesse raciocínio.
Nossa pesquisa aponta que os trabalhadores remotos estão sentindo uma certa saudade de como as coisas costumavam ser.
Jassy disse que os funcionários que não gostarem da política de retorno ao presencial podem simplesmente pedir demissão. De fato, muitos acreditam que o verdadeiro objetivo do retorno aos escritórios na Amazon é forçar os funcionários a se demitirem, eliminando a necessidade de demissões incômodas e indenizações caras.
A guerra do home office não se trata apenas de decidir como e onde o trabalho será feito. Ela é a famosa ponta do iceberg, uma manifestação de tensões há muito tempo latentes sob a superfície.
As empresas devem intervir na origem do problema (indiferença nas relações) para que possam desenvolver uma política racional de trabalho remoto que faça mais sentido para suas necessidades e objetivos.
Depois de formularem sua política, é preciso formalizá-la com expectativas e motivos claros. E, o mais importante: os líderes e gestores devem aceitar a responsabilidade de fazer com que a política funcione para todo mundo.