Precisamos revogar o “privilégio da mediocridade” dos líderes idiotas

Existe todo um sistema que permite que certas pessoas cometam erros, se façam de idiotas e ainda assim consigam se manter no topo

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Yadira Harrison 5 minutos de leitura

Imagine o seguinte: você está em uma cerimônia de premiação por causa de um projeto no qual você e sua equipe passaram mais de mil horas trabalhando. Foi um trabalho feito com sangue, suor e lágrimas e, finalmente, recebeu uma indicação ao prêmio.

Aí, uma outra equipe vence, recebe o prêmio e o representante diz algo como: “a gente nem sabe como isso foi acontecer! Estamos surpresos!”. Se ao ouvir isso você tivesse vontade de virar uma mesa, seria perdoado.  

Foi difícil visualizar essa cena? Ou essa é a sua realidade ao trabalhar no mundo dos negócios? Talvez você não tenha testemunhado isso em uma festa de premiação. Talvez tenha sido em uma sala de reuniões, em uma chamada do Zoom ou até mesmo em uma mensagem do Slack.

É um fenômeno irritante para pessoas negras, pessoas queer e mulheres – que nunca puderam subir no palco e dizer “nossa, não sei como vim parar aqui!” e dar de ombros, falando sobre seu sucesso como se fosse uma comédia de stand-up. Falando sério, é um privilégio poder agir de forma idiota sem ter medo das repercussões.

“Idiota” soa pesado, mas é o que precisa ser dito. A aceitação desse traço de caráter sem graça para os líderes empresariais é cruel para aqueles de nós que estão do outro lado da moeda demográfica. Vamos dar uma analisada no privilégio da idiotice: de onde ela vem, como se manifesta e o que podemos fazer a respeito.

O QUE VEM A SER O PRIVILÉGIO DA MEDIOCRIDADE

Começou – como no caso de muitas outras tendências questionáveis no ambiente profissional – no Vale do Silício. A tecnologia ampliou o mito da meritocracia no trabalho, enaltecendo a ideia de que qualquer pessoa poderia ser bem-sucedida ou se tornar uma empresa unicórnio, desde que trabalhasse com dedicação suficiente e usasse moletons descolados.

as mulheres enfrentam uma realidade na qual o fracasso muitas vezes resulta no fim de nossos sonhos empresariais.

De repente, abandonar a faculdade, à maneira de Steve Jobs e Mark Zuckerberg, era equivalente a ter um diploma de uma faculdade prestigiada. Por trás disso tudo, esses líderes não eram “melhores do que ninguém” – eles eram acessíveis.

Ser visto como “acessível” e “descontraído” no trabalho, mostrar suas próprias deficiências ou mesmo se fazer de bobo para que os outros façam seu trabalho (mas essa é outra conversa) é um privilégio.

É claro que há limites. Mas, embora o Vale do Silício tenha tido mais problemas com líderes questionáveis, muitos deles ainda estão por aí conseguindo financiamento e tentando de novo. Enquanto isso, muitos outros não têm sequer uma primeira chance.

POR QUE ISSO É TÃO FRUSTRANTE

Pesquisas mostram que os homens iniciam novos negócios a uma taxa 64% maior do que as mulheres, e os brancos iniciam novos negócios a uma taxa 22% maior do que os negros.

Esses números ilustram o que já sabemos: é muito mais difícil para mulheres e pessoas negras terem acesso a capital social e financeiro para abrir empresas. E, se você fizer parte de mais de uma minoria (por exemplo, uma pessoa negra homossexual), fica ainda mais difícil. 

Você provavelmente já ouviu a expressão “trabalhar o dobro para alcançar a metade”. Mas o trabalho dobrado não é apenas para nós, como indivíduos, é para nós como comunidade.

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Se não formos bem-sucedidos, levará muito mais tempo para que outras pessoas negras, outras mulheres, outros fundadores LGBTQ+ ou qualquer pessoa que não seja um homem branco tenham essa chance ou oportunidade novamente. Nossos sucessos e fracassos estão conectados a uma intrincada tapeçaria dos outros e de nós mesmos.

Veja o mundo das startups, onde a máxima do “fail fast, fail often” (falhar rápido, falhar com frequência) é aplicada quase que exclusivamente a empreendedores brancos do sexo masculino. Seus empreendimentos recebem financiamento e apoio, apesar de um histórico de más decisões. Por trás de cada erro desse grupo de fundadores, há uma rede de segurança feita de privilégios. 

Em contraste, as mulheres – especialmente as mulheres negras – enfrentam uma realidade drasticamente diferente, na qual o fracasso muitas vezes resulta no fim de nossos sonhos empresariais, em vez de ser um trampolim no caminho para a excelência.

Trata-se de um sistema que permite que certas pessoas cometam erros, finjam ignorância e ainda assim consigam se reerguer.

Quero frisar que, quando digo "privilégio", não quero dizer que esses líderes tiveram uma vida fácil ou que não trabalharam duro. Sabemos que eles trabalharam. Isso é metade da questão.

O privilégio aqui é que nenhum dos desafios que esses líderes enfrentaram foi devido a características inerentes, como a cor de sua pele, gênero ou orientação sexual. Então, quando eles se levantam e dizem que tiveram uma vida fácil e isso é tratado como piada, é insultante.

Na realidade, trabalhar o dobro é o mínimo. Quando sua existência se encaixa em vários tipos de "diversidade", você tem que praticamente resolver um problema de física quântica para chegar perto, mas ainda assim não ser igual. É por isso que aquele discurso de aceitação no estilo “emoji de ombro encolhido”´é tão irritante.

COMO PODEMOS FAZER MELHOR

Não se trata de bater de frente com homens brancos ou de selecionar algumas figuras de destaque. Trata-se de um sistema mais amplo, que permite que certas pessoas cometam erros, finjam ignorância e ainda assim consigam se reerguer (isso se não forem elogiadas por essa trajetória). 

Enquanto isso, o restante de nós não só enfrenta as consequências dos nossos erros com uma realidade muito mais amarga, como também se lembra e se orgulha de cada passo que demos para chegar onde merecemos estar. 

Pesquisas mostram que os homens iniciam novos negócios a uma taxa 64% maior do que as mulheres.

Os líderes empresariais precisam ser responsáveis. Se não por eles mesmos e suas empresas, por suas equipes, comunidades e setores. Não suba no palco e diga que não batalhou pelo seu prêmio. Não descreva sua ascensão como uma comédia de erros. 

Leve seus louros sem diminuir as experiências dos que estão ao seu redor e, quando estiver no topo, volte e ajude aqueles que talvez não tenham tido suas oportunidades de sucesso. 

Vamos trabalhar para criar ambientes de trabalho onde todos, independentemente de sua formação, tenham as mesmas chances de sucesso – ou fracasso – sem a rede de segurança do privilégio.


SOBRE A AUTORA

Yadira Harrison é cofundadora da agência de brand experience verb. saiba mais