Nível de poluição do solo por microplásticos dispara alerta entre especialistas

Alguns estudos apontam que o solo já está mais poluído por microplásticos do que o oceano

Crédito: Grafissimo/ Getty Images

Melina Walling e Rodney Muhumuza 4 minutos de leitura

No distrito de Mbale, em Uganda – conhecido pela produção de café arábica – uma praga diferente tem avançado pelos campos: sacolas plásticas, conhecidas localmente como buveera. Elas já extrapolam os limites urbanos e começam a afetar plantações, gerando preocupação entre os agricultores.

“Alguns estão reclamando”, afirma Wilson Watira, presidente do conselho cultural do povo Bamasaba, tradicionalmente ligado ao cultivo de café. “Estão preocupados, especialmente os que conhecem os efeitos do buveera sobre o solo.”

O problema não é exclusivo de Uganda. Em todo o mundo, o plástico está invadindo áreas agrícolas. Com as mudanças climáticas, o uso de plásticos na lavoura – já comum para proteger e estimular cultivos – tornou-se ainda mais indispensável para muitos agricultores.

Enquanto isso, pesquisas continuam a revelar os impactos dos microplásticos, minúsculas partículas que alteram ecossistemas e, cada vez mais, aparecem em corpos humanos. Cientistas, agricultores e consumidores temem os efeitos dessa contaminação para a saúde e buscam alternativas.

Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), publicado em 2021, os solos estão entre os principais receptores de plásticos utilizados na agricultura. Algumas estimativas indicam que os campos cultivados estão mais contaminados por microplásticos do que os mares.

Essas micropartículas podem ter origens diversas – de roupas e produtos de beleza a medicamentos – e acabam, por exemplo, em fertilizantes produzidos a partir de resíduos sólidos do tratamento de esgoto (os chamados biossólidos). Muitas vezes, els também são malcheirosos e tóxicos para moradores vizinhos, dependendo do processo de purificação adotado.

O plástico também está presente em sementes revestidas com polímeros projetados para se dissolver na época certa do cultivo, em recipientes de pesticidas e nas lonas usadas para manter a umidade do solo.

Apesar de tudo isso, o setor agrícola é responsável por pouco mais de 3% do plástico utilizado no mundo. A maior fatia – cerca de 40% – é destinada a embalagens, incluindo as descartáveis para alimentos e bebidas.

plantação coberta com lonas plásticas/ microplásticos no  solo
Crédito: Cristina Aldehuela/ FAO

Estudos já mostraram que plantas e plânctons podem absorver microplásticos, que depois entram na cadeia alimentar, sendo consumidos por animais e seres humanos. Já foram detectadas partículas plásticas até em órgãos humanos. Pesquisas iniciais indicam possíveis vínculos com doenças cardíacas e alguns tipos de câncer.

Apesar das muitas lacunas na ciência, os indícios sobre a contaminação da cadeia alimentar terrestre “certamente são motivo de alarme”, afirmou Lev Neretin, chefe de meio ambiente da FAO.

Um estudo recém publicado na revista "Proceedings of the National Academy of Sciences" revelou que a poluição por microplásticos pode até comprometer a fotossíntese das plantas. Isso, segundo o coautor Fei Dang, “não justifica pânico”, mas “reforça os riscos à segurança alimentar que exigem atenção científica”.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS AGRAVAM O PROBLEMA DOS MICROPLÁSTICOS NO SOLO

Nos últimos 30 anos, o uso de plásticos quadruplicou. A maior parte acaba em lixões, incineradores ou no meio ambiente. Menos de 10% são reciclados.

Ao mesmo tempo, agricultores dependem cada vez mais de plásticos para proteger suas lavouras de eventos climáticos extremos. Estufas, lonas e estruturas plásticas ajudam a controlar o microclima das plantações. Também cresce o uso de pesticidas e fertilizantes como resposta à imprevisibilidade do clima e ao aumento de pragas.

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“Com o aquecimento global, temos menos terras férteis disponíveis, mas precisamos produzir mais alimentos. Por isso, a demanda por químicos agrícolas só aumenta”, explica Ole Rosgaard, CEO da Greif, empresa que fabrica embalagens industriais para pesticidas e outros insumos.

Eventos extremos, como sol intenso e chuvas torrenciais – intensificados pela mudança do clima – também aceleram a degradação e dispersão dos plásticos agrícolas, levando mais partículas para os campos e, depois, para os cursos d’água.

DÁ PARA FUGIR DA ARMADILHA DO PLÁSTICO?

No final de 2024, líderes de todo o mundo se reuniram na Coreia do Sul para negociar o primeiro tratado global juridicamente vinculante sobre a poluição por plásticos. Ainda não houve acordo, mas as negociações devem continuar em agosto.

Enquanto isso, a FAO publicou um código de conduta provisório e voluntário para a gestão sustentável de plásticos na agricultura. Mas, sem um tratado formal, poucos países se sentem incentivados a adotá-lo – o que transfere a responsabilidade para as empresas.

plantas e plânctons podem absorver microplásticos, que depois entram na cadeia alimentar.

Alguns pesquisadores buscam soluções para impedir que resíduos plásticos e microplásticos atinjam os ecossistemas. O doutorando Boluwatife Olubusoye, da Universidade do Mississippi, estuda o uso de biochar – material obtido a partir da queima controlada de resíduos orgânicos – como possível filtro para microplásticos que escoam dos campos para os rios. Os primeiros resultados são promissores.

Mas, para muitos agricultores, mesmo os conscientes, é difícil mudar a realidade. Em Uganda, por exemplo, produtores de mudas não conseguem arcar com o custo de bandejas adequadas e recorrem a sacolas plásticas baratas para germinar sementes, relata o agrônomo independente Jacob Ogola.

Quem mais sofre com as mudanças climáticas é justamente quem tem menos recursos para evitar o uso de plásticos descartáveis na lavoura. Isso revolta a agricultora e empreendedora agroecológica Innocent Piloya, fundadora da Ribbo Coffee, no interior de Uganda. “É como se pequenos agricultores estivessem lutando contra os fabricantes de plástico”, resume.


SOBRE O AUTOR

Melina Walling e Rodney Muhumuza são repórteres da Associated Press. saiba mais