Segundo a ciência, não é vergonha sentir-se envergonhado no trabalho

Ao contrário da crença popular, há um lado positivo em sentir vergonha

Crédito: Fast Company Brasil

Tomas Chamorro-Premuzic 5 minutos de leitura

As emoções humanas têm diversas formas e características. Algumas, como a tristeza e a felicidade, são relativamente fáceis de explicar. Outras, como a culpa, o orgulho e a vergonha, são bem mais complexas. Elas têm em comum o fato de serem emoções autoconscientes, ou seja, surgem quando remoemos nossas próprias ações e fazemos uma avaliação moral dos nossos comportamentos.

Entre as emoções autoconscientes, a vergonha talvez seja a mais interessante, já que existe uma grande diferença entre a sua conotação negativa, muito mais conhecida, e o seu papel positivo em regular o comportamento das pessoas, especialmente em ambientes profissionais.

Em outras palavras, a gente pode pensar na vergonha como um sinal interno que vai nos "punir", fazendo com que a gente se sinta mal por fazer algo que errado ou que não deveria ter feito. Nesse processo, ela ajuda a reduzir a repetição de comportamentos negativos, preservando nossa reputação e status com os outros, especialmente com aqueles que são importantes para nós.

Nas últimas cinco décadas, pesquisas no campo da psicologia trouxeram uma grande quantidade de evidências científicas sobre os aspectos positivos da vergonha no trabalho, incluindo o seu papel fundamental para fortalecer os laços entre as pessoas e para nos ajudar a nos dar bem com colegas, clientes e chefes.

Veja a seguir as evidências sobre os efeitos positivos da vergonha no trabalho – e em outras áreas.

MAIOR DESEMPENHO

O feedback negativo dos gestores pode aumentar o desempenho dos funcionários ao evocar a vergonha. Isso é uma surpresa, considerando que as culturas corporativas modernas costumam transpirar um otimismo extremo, chegando até a eliminar avaliações e feedbacks negativos de desempenho.

No entanto, dizer aos funcionários o que eles estão fazendo de errado é um pré-requisito para a melhoria. Muitas

Sua liberdade de ser você mesmo deve acabar quando sua obrigação para com os outros começa.

sociedades de alto desempenho (como Cingapura, Coreia do Sul, França e, especialmente, Japão) aproveitam o poder da crítica construtiva, com feedbacks duros e vergonha, em ambientes educacionais e ocupacionais, para incentivar altos padrões e promover o desenvolvimento de habilidades e realizações.

O nível comum de vergonha que as pessoas sentem em uma organização ou sociedade é diretamente proporcional aos padrões desse grupo ou sistema. Sentir vergonha por decepcionar os outros ou por falhar motiva o funcionário a trabalhar mais, mesmo que isso signifique se preparar demais. Um nível moderado de síndrome do impostor também pode levar a realizações excepcionais na carreira.

MELHOR RELACIONAMENTO COM COLEGAS

A vergonha melhora seus relacionamentos com os colegas, aprimorando sua reputação. Historicamente, a vergonha costumava ser vista como um sentimento negativo que causa impacto interpessoal negativo, inclusive levando a pessoa a se retrair.

Mas nenhuma emoção, por mais desagradável que seja, teria evoluído e adquirido um status universal se não tivesse uma função adaptativa. A vergonha funciona como um mecanismo de defesa contra atitudes que poderiam levar à desvalorização social.

Um pouco de vergonha é bom; vergonha demais ou de menos, não.

Em ambientes ancestrais, ser desvalorizado por seus iguais poderia resultar em ostracismo, o que era prejudicial à sobrevivência. Indivíduos que sentiam vergonha tinham menos chances de se envolver em comportamentos que prejudicassem sua reputação ou seus relacionamentos dentro do grupo.

Pesquisas modernas destacam o poder da vergonha como uma emoção que motiva comportamentos pró-sociais. A vergonha geralmente é uma tentativa de restaurar um "eu" danificado, quando percebemos uma grande diferença entre nossas ações reais e nosso "eu" ideal.

O resultado dessa interpretação é que a vergonha leva a comportamentos restauradores para corrigir o "eu" danificado. A pessoa vai tentar se redimir; ela só vai se retrair se o custo (ou o risco) de interagir com os outros se tornar muito grande.

Créditos: Robin Schreiner/ Tabitha Turner/ Unsplash

Por exemplo, se o seu chefe perceber que você está fazendo algo que não deveria ou se um dos seus colegas levar a culpa por algo que você fez, é provável que você sinta vergonha, o que o motivará a pedir desculpas ou compensar suas ações.

Agora, compare isso com alguém que passa pela vida sem vergonha, sem se importar com os danos que suas ações causam aos outros. Assim como na síndrome do impostor, é melhor sentir vergonha quando os outros acham que você deveria, do que não sentir vergonha quando os outros acham que deveria.

UM POUCO DE VERGONHA FAZ MUITA DIFERENÇA

Como tudo na vida, o ideal é o caminho do meio. Um pouco de vergonha é bom; vergonha demais ou de menos, não. Por isso, não é surpresa para ninguém que lugares onde a vergonha é usada em excesso como punição para limitar a liberdade, a experimentação e a criatividade, sejam lugares ruins para se trabalhar.

Como Amy Edmondson, de Harvard, observa em seu extenso trabalho sobre segurança psicológica, muita vergonha inibe a capacidade das pessoas de inovar, cometer erros inteligentes e aprender com eles.

Pesquisas destacam o poder da vergonha como uma emoção que motiva comportamentos pró-sociais.

Para criar segurança e aproveitar o apetite das pessoas por risco e experimentação, é preciso primeiro promover um clima de civilidade, respeito e autocontrole. Para tanto, as pessoas devem ter a capacidade de se autocensurar e de ter consciência de seus comportamentos ruins, a ponto de poderem evitá-los.

Sua liberdade de ser você mesmo deve acabar quando sua obrigação para com os outros começa. Este é um ato de equilíbrio delicado que requer não apenas autocontrole, mas também boa liderança.

A vergonha nos leva a pensar nos benefícios pessoais de nossas ações e em suas possíveis repercussões sociais. Ela funciona como um sinal de alerta, guiando as pessoas no caminho das escolhas que se alinham com as normas e expectativas do grupo, promovendo comportamentos que beneficiam o grupo como um todo.


SOBRE O AUTOR

Tomas Chamorro-Premuzic é diretor de inovação do ManpowerGroup, professor de psicologia empresarial na University College London e na ... saiba mais