Ressuscitar espécies extintas não vai resolver a crise de biodiversidade do planeta
Graças à edição genética, cientistas estão revivendo animais extintos há milênios. Mas será uma questão de conservação ou mera curiosidade humana?

Na semana passada, a revista "Time" publicou uma matéria bombástica sobre uma empresa dos EUA que teria ressuscitado uma espécie extinta há milhares de anos, o lobo terrível (dire wolf).
Para alguns, trata-se de um milagre científico: cerca de 10 mil anos após sua extinção, o planeta agora abriga três filhotes vivos de lobos terríveis, resultado da engenhosidade dos cientistas da Colossal Biosciences.
Mas não devemos confundir espetáculo com conteúdo. Sim, é impressionante que a biotecnologia permita criar animais que se assemelham a espécies extintas. No entanto, além do burburinho e da ambição bilionária, esse projeto não oferece soluções reais para a crise de biodiversidade do planeta. Na melhor das hipóteses, é uma novidade. Na pior, uma distração – uma distração perigosa.
Atualmente, mais de 47 mil espécies estão ameaçadas de extinção, entre plantas e animais. Muitas delas enfrentam esse risco por causa da atividade humana – seja pela destruição de seus habitats, pela caça excessiva ou pela poluição do solo, do ar e da água a níveis que tornam impossível a sobrevivência.
Os experimentos de edição genética da Colossal vêm sendo descritos como uma forma de "conservação", mas não ajudam as muitas espécies que hoje lutam para sobreviver.
A empresa argumenta que suas descobertas podem ser aplicadas para salvar espécies que ainda resistem – por exemplo, "desenvolver elefantes mais robustos, que consigam sobreviver melhor aos estragos climáticos de um mundo em aquecimento", como diz o artigo da "Time".
Mesmo que os esforços da Colossal sigam conforme o planejado, é preciso ter clareza sobre o que isso realmente significa: não estamos consertando os danos causados pelos humanos. Estamos apenas modificando os animais para que sofram menos com eles.

As causas da perda de biodiversidade – como as mudanças climáticas e a agropecuária industrial – não vão simplesmente desaparecer. Isso faz com que a edição genética de espécies ameaçadas seja pouco mais que um curativo.
Podemos até prolongar a existência de algumas poucas espécies, mas, nesse meio tempo, o problema de fundo continuará crescendo. E pior: a ideia de que podemos "trazer espécies de volta" pode nos levar a tratar a crise de biodiversidade com menos urgência. Se podemos consertar depois, por que nos preocupar agora?
CRISE DE BIODIVERSIDADE É UM PROBLEMA COMPLEXO
Não é como se esse projeto oferecesse algum benefício real aos próprios lobos terríveis – ou a qualquer outro animal não humano, aliás. Quando animais são "ressuscitados" dessa forma, eles não podem ser reintroduzidos na natureza. O mundo já não é o mesmo: não tem a mesma ecologia nem a mesma composição de biodiversidade de 10 mil anos atrás.
A diretora científica da Colossal, Beth Shapiro, chamou os filhotes de "os animais mais sortudos de todos os tempos", graças ao confinamento e à supervisão humana. É verdade que a vida selvagem não é um piquenique, mas duvido muito que qualquer animal selvagem em cativeiro concordaria com Shapiro, por mais confortável que seja a jaula.
Além de tudo isso, os três filhotes tecnicamente nem são verdadeiros lobos terríveis. Para criá-los, os cientistas da Colossal não reanimaram o material genético dos lobos extintos. Eles apenas estudaram esse material e reescreveram artificialmente o código genético de uma pequena parte do lobo-cinzento comum, numa tentativa (questionável) de fazê-lo parecer com o original.

No fim das contas, os filhotes geneticamente modificados são recriações genéricas, e não recuperações autênticas. Fazem parte de um experimento de "ciência maluca" voltado para gerar publicidade.
Para citar um certo filme sobre cientistas que recriam animais extintos por pura curiosidade humana: é fascinante que nossos pesquisadores consigam fazer isso. Mas está mais do que na hora de nos perguntar se eles devem fazer.
As causas da perda de biodiversidade não vão simplesmente desaparecer.
Criar essas versões genéricas dos lobos terríveis consumiu uma boa fatia dos US$ 200 milhões arrecadados pela empresa e o trabalho de cerca de 130 mentes brilhantes. Dói imaginar quantas outras aplicações mais úteis e urgentes esses recursos poderiam ter tido.
Poucos esforços são tão nobres quanto a conservação, e reconheço que combater a perda de biodiversidade é um problema complexo, que vai exigir muitas abordagens diferentes. Mas, com tanto em jogo – e o tempo correndo –, precisamos ser sensatos nas soluções que buscamos.
Antes de nos entregar a delírios inspirados em ficção científica, deveríamos fazer o possível para salvar as espécies que ainda têm chance. E, no processo, lembrar de considerar o bem-estar dos próprios animais. Ignorar isso seria um erro… colossal.